terça-feira, 13 de outubro de 2020

Resenha Destro - O Martelo da Direita

De início, caros leitores, uma mensagem útil para quem for louco o suficiente para começar a criar seus próprios personagens e histórias.

Essas são as duas coisas mais importantes em um filme. Ou série. Ou livro. Ou, no caso que estamos cá a analisar, quadrinhos.

Personagens e histórias.

O desenvolvimento de personagens e sim, estou falando na famosa Jornada do Herói de Campbell. Funciona porque cada um de nós, em sua própria vida, está passando por sua Jornada do Herói particular. É assim que funcionam esses seres estranhos chamados de humanos. Todos temos nossos mentores, aliados, até inimigos. Muitas vezes cada um destes desempenhando mais de um papel, seja nas histórias, seja na nossa vida.

E não pensem que a Jornada do Herói é um conjuntinho de regras fixas a ser seguido à risca. Pelo contrário, é absolutamente flexível e se pode alterar a ordem das etapas à vontade, fazer um personagem representar mais de um papel ou arquétipo, e subverter tudo. É aí que entram a criatividade e a imaginação.

Um dos melhores exemplos, claro, é a Trilogia Original e Única de Star Wars. Não preciso aqui narrar a trajetória de Luke, Leia, Han, Chewbacca, Obi-Wan, Yoda... E sim, é evidente que os filmes trazem em seu âmago uma poderosíssima mensagem, a luta pela liberdade. Cada um dos personagens é alguém com um passado, seus temores, medos, manias, cada um deles comete erros, aprende e evolui com eles.

É isso que se chama desenvolvimento de personagens. Faz com que o personagem se mostre orgânico e real, e assegura que quem assiste ao filme ou série, leia o livro ou quadrinho, se identifique com ele.

A mensagem universal da luta pela liberdade em Star Wars está inserida como componente da história da Rebelião contra o Império, também organicamente. Mas podem conferir novamente, ela nunca, nunca, repetindo NUNCA é mais importante que a história ou personagens.

Comece uma história baseando-se única e exclusivamente na mensagem que quer transmitir, esquecendo todo o resto, e você não estará escrevendo um livro ou roteiro de quadrinho, série ou filme. Estará meramente preparando um panfleto político ou ideológico. Não reclame se depois ninguém prestar atenção ao que você está tentando vender. Há inúmeros exemplos nos últimos tempos de produções com muita mensagem, cumprindo uma agenda na maior parte das vezes classificada como “progressista”, e que foram estrondosos fracassos. E eu acrescento ainda, merecidos fracassos.

Está aí a trilogia Star Wars da Disney que não me deixa mentir. Ao contrário do inimitável e clássico original, tem personagens ocos, sem alma, e histórias sem nexo que chegaram ao ápice do pior que se pode fazer quando o deplorável Episódio 8 foi apresentado em aulas de roteiro como exemplo do que NÃO fazer.

Não precisam acreditar em mim. Confiram neste link vocês mesmos:

Não é a toa que a hashtag #entertainmentmatters está se tornando cada vez mais eloquente.

Agora, para começar mesmo, me permitam confessar um arrependimento: ter descoberto a campanha no Catarse de Destro tarde demais. Mas já estou alerta para ser mais um insurrecto para o volume 2.

Sim, como tem um número 1 na lombada, e diante do espantoso final da HQ (por que, Luciano, por que nos deixar nessa expectativa, meu amigo!?) é evidente que haverá um volume 2!

Sim, Destro – O Martelo da Direita, de Luciano Cunha e Michel Gomes, traz uma forte mensagem contra as ideias socialistas e ditas “progressistas”. A começar pelo próprio nome do protagonista, a HQ tem um indisfarçável conteúdo político conservador, liberal e de direita.

Mas quem tem competência e talento costuma fazer bem a “lição de casa”. E mesmo com essa mensagem contra o totalitarismo permeando cada página da história, os personagens e a trama em si são o mais importante em Destro!

E que personagens, e que trama!

Quando mencionei o nome do Luciano Cunha talvez a maioria de vocês lembre que é dele também o principal anti-herói dos quadrinhos brasileiros, o Doutrinador (se bem que, para combater os corruptos e certas máfias por aí, só mesmo sendo um herói de verdade) e que inclusive se tornou um filme de imenso sucesso, inclusive no exterior. Coisa, novamente, de gente competente e de talento!

Enfim, passei a acompanhar Destro HQ nas redes sociais, e me empolgando cada vez mais. E a história me cativou mesmo quando foi divulgada a imagem de uma das páginas, mostrando como a Insurreição, os rebeldes que lutam contra o governo totalitário que tomou o Brasil (e o mundo) descobriu sob a Catedral da Sé milhares de livros. O garoto que é o primeiro membro desse grupo a encontrar Destro, o protagonista da história, explica que os volumes deveriam ser queimados pela polícia política, porém foram esquecidos. E ele os escaneia e lança pela grande rede, “para as pessoas conhecerem a luz” como comenta.

Não se parece com muitas notícias que andamos vendo nos últimos tempos? Tentativa de abolir ou deturpar o conteúdo de autores como Monteiro Lobato, Mark Twain, H.P. Lovecraft, essa estranha moda do “cancelamento”...

A HQ começa com números ligados aos piores ditadores do passado e do presente, e uma série de recortes de notícias que mostram uma preocupante similaridade com alguns noticiários que assistimos nos últimos tempos. E esse prólogo termina com uma citação de 1984 de George Orwell, aquela descrevendo como todos os livros foram reescritos, quadros repintados, ruas, estátuas e edifícios renomeados. Ao menos dois dos autores citados acima tiveram de fato seus escritos deturpados, e acredito que todos vocês lembram-se dos noticiários daquele povo que vinha vandalizando monumentos pelo mundo, não é?

Aliás, sobrou até para a estátua de Ariano Suassuna no Recife.

Passamos à ação propriamente dita, em São Paulo, 2045. Nosso herói tenta encontrar comida, mas a situação é pior até do que a atualidade na Venezuela, e nessa luta os sobreviventes do regime têm uma vida de penúria. Somos apresentados a uma tragédia pessoal no passado de Destro e ainda descobrimos mais um pouco sobre ele. E também como, gradativamente, as pessoas foram sendo ensinadas a não pensar nem questionar, e as forças do totalitarismo tomaram o poder.

Destro é detectado pelos drones da polícia política e têm início uma perseguição. Ele escapa, mas precisa ser resgatado, e nesse momento temos uma participação muito especial, que nosso amigo Gilson Cunha descreveu assim: “se fosse no cinema, seria o momento em que todos se levantariam para aplaudir”. E não, claro que não vou contar quem é!

Assim Destro conhece a Insurreição, e enquanto andam pelos subterrâneos da metrópole vemos alguns velhos cartazes nas paredes, inclusive um que fala sobre a covid-25 e o dever de denunciar aglomerações. Aliás, Destro não tem um chip de identificação, razão pela qual os agentes do governo o caçavam.

Controle por meio de drones e por chips, no caso, dos celulares, onde foi mesmo que ouvimos essas notícias antes?

O garoto, junto com Padre Marcel, finalmente convence Destro a se unir aos insurrectos. A trama até aqui, e também além deste ponto, é entremeada com os bastidores do poder, onde evidentemente se vive com todo luxo e conforto. Essas cenas ainda apresentam o desolador cenário internacional dessa sombria realidade.

Não dá, simplesmente não dá para não vibrar com as primeiras ações de destaque da Insurreição, sob o comando de Destro. Eles vão dando seguidos golpes no regime, inclusive com uma muito gráfica cena do assassinato de um personagem importante que discursa com absoluta naturalidade sobre direitos humanos e segurança, garantidos por sua tecnologia de chips subcutâneos e controles neurais, sobre gulags e confrontar os insurrectos. Sim, vibrei muito com a cena.

De golpe em golpe os heróis chegam ao ponto culminante, e como costuma acontecer nas boas histórias, é nessa parte que o chão desaba sob os pés dos protagonistas. Conforme comentei acima, vemos então uma cena surpreendente que deixa um enorme gancho para o volume 2 de Destro. Só faltou um “to be continued”, ou “continua no próximo capítulo”, mas como sou veterano fã de Arquivo-X e seus históricos ganchos de final de temporada, não sofri muito.

Destro – O Martelo da Direita, como ficou claro, é uma trama empolgante de luta pela liberdade, como algumas das melhores histórias das quais somos fãs na TV, no cinema e claro, nos quadrinhos. Os adeptos do totalitarismo, nessa histórica HQ, são muito parecidos com alguns que vemos aqui em nosso mundo. Já viu alguém defendendo a diversidade mas rotulando tudo e todos? Sendo contra a diversidade de opinião enquanto afirma ser pró-direitos humanos? Alegar que vidas deste ou daquele setor da sociedade importam, mas apoiando o vandalismo e a queima de negócios de gente honesta? Dizendo ser a favor da cultura mas defendendo a “correção” ou até o completo banimento de livros?

Então você conheceu gente que é bem representada pelos agentes do governo totalitário da sombria realidade de 2045 em Destro. Que, aliás, já tem uma nova campanha de financiamento lançada, desta vez para uma webserie, inclusive com trailer! Reconhece alguns pontos de São Paulo nele?

Recomendo fortemente que leia Destro – O Martelo da Direita, que se tornou obrigatória na estante do colecionador. Luciano e Michel estão de parabéns, assim como toda a equipe da Superprumo Editora, que chegou com tudo ao mercado brasileiro de quadrinhos. No site deles vocês podem adquirir Destro e suas outras HQs, e enquanto aguardamos o ansiado retorno dos quadrinhos do Doutrinador (e o número 2 de Destro, claro) vale a pena conhecer os demais trabalhos.

Destro é mais uma prova de que o mercado brasileiro de quadrinhos comporta todas as narrativas em sua vibrante diversidade, e em um momento como o que vivemos neste estranho 2020, é um recado muito claro para que jamais pensemos em abrir mão de sequer um fiapo da liberdade.

Parabéns!

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