Já
fazia um bom tempo que eu pensava em escrever resenhas de alguns dos heróis da
Sergio Bonelli Editore, que vim a conhecer ainda em 2022. Já havia lido algumas
edições de Julia Kendall (As Aventuras de uma Criminóloga) e gostado bastante.
Mas foi somente com um pedido do amigo Paulo B. Werner, editor da revista OVNI Pesquisa, que conheci outros personagens da casa italiana.
Paulo
é fã de longa data dos heróis bonellianos, e inclusive teve uma carta publicada
na edição 9 de Martin Mystère ainda pela editora Record. Esse foi um dos
números que achei em formato “genérico” online, e depois tive a sorte de
encontrá-lo em um sebo. Mordam-se de inveja!
Sim,
amiguinhos, houve uma época antes da internet, quando escrevíamos cartas, em
papel, e as remetíamos para as revistas e quadrinhos que líamos. Se os editores
gostassem, nossa carta seria publicada em uma edição seguinte, não era o
máximo?
O
fato é que passei a gostar muito desses personagens, e de Martin Mystère, O
Detetive do Impossível, passei também a Dylan Dog, o Investigador do Pesadelo.
O universo de Martin, como Paulo o descreve, é uma combinação de Indiana Jones
e Arquivo-X, repleto de conspirações, alienígenas e segredos do passado.
Entretanto,
é muito importante frisar que as tramas não têm absolutamente nada a ver com
certo programa de um canal de documentários, capitaneado por um sujeito que se
diz pesquisador, tem cabelo estranho e é participante de inúmeros memes, sempre
usando a palavra “aliens” para explicar tudo!
Pelo
contrário, Martin é bastante cético e busca sempre evidências concretas para embasar
suas teorias nem um pouco convencionais.
Tais
evidências já comprovaram que, em seu universo, existiram há algumas dezenas de
milhares de anos duas civilizações antagônicas com nível tecnológico similar ao
nosso. Eram Atlântida e Mu, que por fim se destruíram em uma guerra nuclear,
deixando aqui e ali locais secretos para resguardar partes de seu saber. Vem
daí muitas das histórias de Martin Mystère e seus amigos, envolvendo inimigos
como os Homens de Preto e o ex-colega Sergej Orlov.
Enquanto
Martin opera a partir de Nova York, Dylan Dog habita uma Londres recheada de
monstros, assombrações, assassinos seriais e outros eventos bizarros. Ele já
foi agente da Scotland Yard, e inclusive se encontrou com Martin em algumas
aventuras crossovers. Enquanto Mystère é frequentemente acompanhado pelo amigo
Java, um homem de Neanderthal que ele conheceu no Extremo Oriente, além da
eterna namorada Diana, Dylan tem a ajuda de Groucho, que exibe a exata
fisionomia de Groucho Marx, mas deve ser incomparavelmente mais maluco do que
ele. O ajudante de Dylan deve ser o maior mestre em piadas sem graça, ironias e
cantadas baratas dos quadrinhos, sendo um alívio cômico para as aventuras do
Investigador, algumas das quais bastante pesadas.
Então,
depois de ler algumas das edições “genéricas” que encontrei, me senti confiante
o suficiente para escrever um artigo dedicado a Martin Mystère que foi publicado
na OVNI Pesquisa número 13.
Façam
o favor de visitar o site da publicação e ler, hein?
Vale
acrescentar que os dois heróis têm carros característicos deles. Martin dirige
uma Ferrari Mondial, modelo dos anos 1980 que se destacava por ser 2+2, os dois
lugares regulares mais dois bem apertados atrás.
Já
Dylan pilota... um Fusca! Um modelo conversível branco que sempre participa das
aventuras, já foi até destruído algumas vezes mas sempre retorna na edição
seguinte sem maiores explicações.
Por
sinal, a edição italiana número 384, com o título La Macchina Che Non Voleva
Morrire, é dedicada ao carrinho que é uma grande paixão de Dylan. Aguardo
ansiosamente seu lançamento pela editora Mythos, e por sinal confiram as
referências nas imagens!
Para
esta primeira resenha de nossos heróis escolhi uma edição de cada, com
histórias verdadeiramente únicas e plenas de elementos bizarros. É muito
difícil encontrar uma história da Bonelli que não seja boa!
Martin Mystère 4 Necronomicon, segunda
série, editora Mythos
Somente
pelo título já se percebe que esta edição é uma homenagem ao mestre do horror
cósmico, H.P. Lovecraft! Antes de começar, vale um alerta: nunca, nunca, NUNCA
leia os textos iniciais das edições, que estão na mesma página do expediente,
antes de ler a história! Muitas vezes eles trazem spoilers brutais a respeito
das edições, e eu somente bati os olhos ali para saber que deveria fugir e ler
o texto somente depois!
Essa
edição, publicada originalmente em 1990 como o número 103 italiano, homenageia
os 100 anos de nascimento de Lovecraft, e os dez anos do falecimento de outro
grande contator de histórias. Não, não vou escrever quem é, nem qual dos
personagens dele aparece na trama.
Um
sujeito de seus sessenta e pouco, um tanto maltrapilho, anda com uma caixa
metálica sob o braço e é atacado por marginais. Porém ele luta ferozmente, mata
alguns, mas termina morto. No necrotério, pouco depois, o vigia aparece também
assassinado, e a geladeira onde estava o corpo do sujeito da caixa vazia.
A
caixa continha um rolo de filme, que com muita sorte eles conseguiram regravar
em uma fita de vídeo, que o policial Travis, velho amigo de Martin, trouxe para
sua análise. Colocada no videocassete (vão pesquisar, eu não vou explicar essa
tecnologia antiga pra vocês) surgem imagens da Nova Inglaterra, palco de várias
histórias de Lovecraft, um porto com navios, depois marinheiros embarcando e
iniciando uma viagem. Um navegador solitário surge, que subitamente salta para
o mar. O filme passa então para uma imagem no interior de algo, e coisas muito
estranhas são vistas. Coisas como monstros com tentáculos e outras criaturas.
Martin,
cético, se mostra impressionado e lembra que, na época em que o filme original
aparentemente foi feito, não existia a Industrial Light and Magic, e nem
tampouco Ray Harryhausen já mostrava seu inigualável talento para efeitos
especiais.
Travis
diz que as digitais do sujeito dado como morto pertenciam a um homem... também
dado como morto, e conhecido de Martin. Esse personagem tem o nome Pickman, que
vem a ser outra referência a Lovecraft, e que Martin encontrou nas edições 5 e
6 da editora Globo. E sim, eu as estou procurando. Nessa aventura anterior
Martin e Java visitam uma casa bem maluca em Providence.
Falando
em Java, ele pode ser um Neanderthal que não consegue se expressar falando
nossos idiomas, mas é extremamente inteligente e tem capacidades bem além de
nós, Sapiens. E conforme descoberto pela genética, antropologia e paleontologia
eu, você, todo mundo tem em seu DNA genes vindos dessa espécie de homens, que
foi contemporânea de nossos antepassados há algumas dezenas de milhares de
anos. A série de fato está coerente com as últimas descobertas a respeito dos
Neanderthais, e só nos resta lamentar que eles tenham sido extintos.
Os
eventos bizarros se sucedem, e a história vai ficando ainda mais estranha.
Personagens retornam, outros aparecem (aquele do outro contador de histórias
homenageado), e chega-se à conclusão que a sinistra fita, que exibe cenas
diferentes cada vez em que é assistida, inspirou grandes mestres de várias
mídias.
Confuso?
Sim, é! Mas o resultado é sensacional, com certeza bem diferente da maioria das
histórias conhecidas pelos leitores. Recomendo muito, corram lá no site da
editora Mythos!
Dylan Dog 24 Maelstron, segunda série, editora
Mythos
Leram
A Metamorfose de Kafka? Pois esta é uma das referências nesta incrível aventura
do Investigador do Pesadelo. Um homem, morando em um apartamento simples,
recebe a visita de dois agentes da Scotland Yard que lhe dão voz de prisão. Ele
diz que leva uma vida pacata e não entende as acusações enquanto se arruma.
Então, usando utensílios cortantes, mata os dois homens em cenas
sanguinolentas, se arruma calmamente e sai, agradecendo a seu senhorio pelo
tempo que morou ali. Em outra pacata vizinhança, uma esposa conta a seu marido
que viu um vizinho, transformado em uma barata gigante, ser esmagado em plena
rua. Sim, só ela assistiu a esse fato bizarro.
No
escritório de Dylan e Groucho (o som da campainha, aliás, é ótimo e bem no
clima das histórias: AAAARRRGGGHHH) o visitante da vez é um gato preto que
arranha Dylan e foge. Nosso gato anda pela rua, e sob seu ponto de vista vemos
seres no mínimo bizarros.
Lembram
da mulher que viu a baratona? Pois é ela quem encontra os cadáveres dos
policiais, e chama Dylan. Ele investiga por perto, e termina por ver que uma
das vizinhas é a dona do gato. O bichano é Cagliostro, e a moça é a bruxa Kim, que o Investigador do
Pesadelo já encontrara antes (na edição 2 da primeira série da mesma Mythos),
mas nesse ponto ainda não se recorda.
Achou
a trama do Martin acima bizarra? Pois espere para ver as bruxas e assassinatos
malucos desta história de Dylan Dog!
Dylan
por fim começa a se recordar de Kim, e neste ponto vale lembrar que nosso
Investigador do Pesadelo costuma se apaixonar por uma garota nova a cada
edição, geralmente suas clientes. Então, cenas de sexo e nudez light são também
comuns em suas histórias. Leia com moderação! Ou não.
Finalmente
é descoberto que alguém está assassinando os 666 guardiões da magia, e que
pretendem abrir o Maelstrom, um portal para uma dimensão infernal. Falando em
dimensões é mencionado ainda o Tesseract, mas não aquele dos filmes da Marvel,
e sim o de Cosmos de Carl Sagan, um hipercubo quadridimensional que, na
história, dá acesso a inúmeras dimensões.
Já
ficou bizarro o suficiente?
Nem
vou comentar a cena com Dylan e Cagliostro a bordo do Fusca. Sim, alguns gatos
têm faculdades muito especiais...
No
final entendemos o que é o Maelstrom, qual é a do relacionamento entre Kim e
Dylan (mais ou menos), a identidade do assassino dos agentes lá no começo e
quem era o marido da senhora que testemunhou as aparições. Uma edição maluca
com uma história incrível, que recomendo fortemente!
Assim
são as edições da Sergio Bonelli Editore publicadas aqui no Brasil pela Mythos.
Como disse, é muito difícil encontrar uma história fraca nas HQs da casa
italiana. Vale muito a pena conferir, e em breve apresentaremos mais resenhas,
combinado?