sexta-feira, 26 de junho de 2015

ESPECIAL QUADRINHOS - PARTE 2: Entrevista com Sidney Gusman



Sidney Gusman


Tive o IMENSO PRAZER de entrevistar Sidney Gusman.
 Feliz é pouco hein! 
Aguardem mais entrevistas para esse especial!

Sidney Gusman (48 anos) é jornalista especializado em quadrinhos, escreve sobre o tema desde 1990, em jornais, revistas e sites. De 2000 a 2006, recebeu o Troféu HQ Mix de melhor jornalista especializado em quadrinhos do Brasil.

Foi editor executivo da área de quadrinhos da Conrad Editora de 2001 a 2003, sendo responsável por obras cultuadas, como Sandman e Zap Comix, e mangás como Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, One Piece etc. De 2003 a 2006 foi editor da revista Wizard, da Panini, e lançou os livros 100 Respostas sobre Super-Heróis, 100 Respostas sobre Hanna-Barbera, 100 Respostas sobre Batman e Grandes Sagas DC, todos pela Editora Abril.

Em 2006, lançou o livro Mauricio – Quadrinho a Quadrinho, pela Editora Globo, que conta a história da paixão do criador da Turma da Mônica pelos gibis.


Atualmente, é responsável pelo planejamento editorial da Mauricio de Sousa Produções, onde deu vida a projetos como MSP 50, MSP + 50, MSP Novos 50, Ouro da Casa, Graphic MSP, Mônica(s) e outros. Além disso, é editor-chefe do Universo HQ (http://www.universohq.com), o principal site sobre quadrinhos do País, que venceu dez vezes o Troféu HQ Mix (de 2000 a 2007 e 2009 e 2010) em sua categoria.

É considerado um dos maiores especialistas em história em quadrinhos do Brasil.

 

CONTATO:

email para contatos em eventos: sgusman.palestras@gmail.com






1.              Como e quando você começou a se interessar pelas HQs?



Quando criança, como acontece com todo mundo. Eu era um leitor, que nem sonhava em trabalhar com meu hobby. Como isso aconteceu? Explico mais abaixo.



2.              Lembra qual foi o primeiro quadrinho que te cativou?



Não me lembro exatamente do primeiro que li, mas tenho quase certeza de que foi um gibi da Mônica. Meu pai preferia comprar as revistas do Mauricio porque eram nacionais. Porém, a primeira que me marcou pra valer foi uma do Quarteto Fantástico, da Ebal. Mas não o tenho, pois era um gibi de um outro garoto que me emprestou a edição enquanto esperávamos pra ser atendidos num lugar que vendia xarope caseiro contra bronquite.



3.              Como os quadrinhos influenciaram sua vida?



Os quadrinhos passaram de um hobby para o meu ganha-pão. E já me deram muito. Não falo do aspecto financeiro, mas das oportunidades que me proporcionaram, das pessoas que conheci por causa deles, dos lugares que visitei por trabalhar com HQs.



Simplesmente não consigo imaginar minha vida sem os quadrinhos. Como costumo dizer, os quadrinhos já me deram mais do que eu dei aos quadrinhos. Por isso tenho tanto tesão no que faço.



4.              Na hora de ler, qual gênero de HQ prefere?



Essa eu sempre digo em palestras e entrevistas: meu gênero favorito é o quadrinho bom! E tem quadrinhos bons no Brasil, na Itália, no Japão, nos Estados Unidos, na França, na Bélgica, na Alemanha, na Espanha e em muitos outros países. E ruins também! Ou seja, sou um eclético.



Mas nem sempre fui assim, vale dizer. Quando decidi escrever sobre quadrinhos, lia basicamente super-heróis e uma ou outra coisa europeia (Asterix, Tintim e os material publicados pela revista Animal) ou do mercado alternativo dos EUA.



5.              Qual seu quadrinho favorito? Por quê?



Poxa, eu já linha tanta HQ boa na vida, mas acho que meu favorito continua sendo Os Companheiros do Crepúsculo, do francês François Bourgeon, que a Nemo lançou em 2013 no Brasil. É um primor de HQ, com uma trama que envolve Idade Média, misticismos e fantasia. Merecia ser filmada pelo cinema.



Mas a lista ainda teria O Cavaleiro das Trevas, que, para mim, é a melhor história do Batman em todos os tempos; Spirit, do mestre Will Eisner leva meu voto pelo conjunto da obra; Watchmen, por mostrar que quadrinhos de super-heróis podiam ir além do ponto em que então se encontravam; Ken Parker, de Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo, vale pela série toda; Um Contrato com Deus, do Eisner, é um primor também; gosto de Asterix e Lucky Luke, na fase escrita por René Goscinny; Corto Maltese vale pelo conjunto da obra, mas especialmente por A Balada do Mar Salgado e Sob o Signo do Capricórnio.



Minha lista ainda segue com Lobo Solitário, que é a melhor HQ de samurais que li. Traço de giz, do espanhol Miguelanxo Prado, ganha por ser uma das melhores HQs de viagem no tempo que li. Os Passageiros do Vento, também do François Bourgeon, é outro clássico das HQs europeias. O Sandman, de Neil Gaiman, é uma das melhores séries de quadrinhos de todos os tempos. Calvin e Mafalda, pela genialidade num espaço tão diminuto quanto uma tira. E muitos outros.




6.              Quando e como começou a trabalhar na área?



Como tudo começou...


Sempre que dou uma entrevista, vira e mexe me perguntam como comecei a trabalhar com quadrinhos. Já contei várias vezes, mas como nem todo mundo as leu, resolvi relatar aqui.
Bem, quando terminei o colegial, aos 17 anos, entrei na faculdade de Educação Física (por ser apaixonado por esportes). Eu me formei em 1986 e em 1988 cursei jornalismo. Claro que a intenção era trabalhar com jornalismo esportivo, o que fiz (em rádio) por quase dois anos.

Mas era uma época brava. Não ganhava nada (mesmo) na rádio e ainda estava na faculdade de jornalismo (a Metodista, de São Bernardo do Campo, na qual me formei em 1991). Então, eu e um grupo de amigos criamos um jornal mural (falo de 1989, não tínhamos nem sequer computador, quanto mais internet), no qual comecei a fazer algumas críticas de quadrinhos. Era a época do boom de editoras como Abril e Globo, e todos os grandes jornais de São Paulo abriam páginas e páginas para falar de HQs.

Aí, como a galera da faculdade sempre falava que meus textos estavam bacanas, decidi usar minha boa e velha cara-de-pau para tentar a sorte! Enfiei vários desses textos (datilografados, em sulfite e com as pontas das folhas furadas – por causa das tachinhas) debaixo do braço e saí visitando as pessoas que escreviam à época - André Forastieri (Folha;), Marcelo Alencar (Estadão), Alessandro Gianinni (Jornal da Tarde), Franco de Rosa (Folha da Tarde), Rosane Pavam (Diário do Grande ABC) e Leandro Luigi Del Manto (Editora Globo).


Fui sempre bem recebido, mas conseguir um frila eram outros quinhentos. Até que, numa dessas visitas, o Leandro leu e gostou do meu texto sobre Cinder e Ashe (ao lado), minissérie que ele editou ainda na Abril. Aí, perguntou se eu gostava de música, porque queria publicar na HQ Press (seção que saía nas páginas centrais de Sandman e Fantasma, este último um remake feito pela DC Comics nos anos 1990) uma matéria sobre quadrinhos e música!
Cara, naquela hora, minha alegria era tanta, que se o Leandro me perguntasse se eu gostava do Palmeiras (sou corinthiano fanático, como quem me segue no Twitter e no Facebook sabe) era capaz de dizer sim... Bom, agora exagerei um bocado! :-)

Lógico que topei! Lembro que quando saí da Globo (na rua do Curtume, na Lapa, onde voltei a trabalhar em 2006, agora na Mauricio de Sousa Produções), virei pra trás pra ver se tinha alguém olhando e, quando me vi sozinho, dei um salto, como se estivesse comemorando um gol. E, pra mim, foi um gol mesmo! Era a chance de entrar no mercado de quadrinhos, algo que, até então, era um sonho apenas.

Só quando baixou a adrenalina que percebi: a missão não seria nada simples. O Leandro queria sete laudas (9.800 caracteres). Eu quase não tinha material de referência e meu conhecimento sobre quadrinhos não era tão grande. Aí, liguei para a saudosa Livraria Muito Prazer, que ficava na av. São João, expliquei a situação e perguntei se poderia passar o dia pesquisando lá.

Como a resposta foi sim, fiquei lá horas e horas, folheando centenas de HQs e anotando, anotando, anotando. Começou aí o meu gosto pela pesquisa, algo que sempre norteou meus textos desde então.

É incrível me recordar como as coisas mudam, mas aquele texto eu escrevi primeiro à mão! Só depois datilografei! Resultado: 14 laudas! O dobro! Quando entreguei, enquanto o Leandro ia lendo, minha agonia só aumentava. Depois de um bom tempo, ele falou: "Gostei muito. Tenho que dar um jeito de publicar inteira essa matéria!"

A sensação de dever cumprido só não foi maior do que a satisfação de sentir que eu finalmente estava assinando minha entrada no mercado de quadrinhos.

A matéria saiu nas edições 7 de Fantasma e Sandman, e como as revistas são de 1990, coloquei as quatro páginas (com poucas ilustrações, porque eu escrevi demais).


Depois, com ela debaixo do braço, consegui mais frilas. Passei para jornais (o primeiro foi o Jornal da Tarde), entrei na Globo, pra trabalhar como redator, escrevi para várias revistas e o resto é história.

Desde então, acho que não passei nem um mês de minha vida sem escrever (nem que fosse uma notinha) sobre quadrinhos. Claro que, hoje, quando leio aqueles textos do jornal mural, penso: "Nossa, como eu pude escrever isso?". Mas isso é natural com qualquer profissional, em qualquer ramo de atividade, quando se recorda de seu início de carreira! E quer saber? É uma lembrança deliciosa! Tanto que sempre falo dela em minhas palestras pelo Brasil.

Por isso mesmo, todas essas matérias estão na página de abertura de meu portfólio (tenho todas as matérias que publiquei até hoje). Guardo-as com todo carinho, pois foi com aquelas folhas datilografadas e amareladas que minha carreira começou! E devo muito a elas!





7.              Trabalhar com HQ/cultura sempre foi um objetivo de vida?



De forma alguma. Eu nem sonhava! E que bom que, em algum momento, eu sonhei!



8.               Quando começou a trabalhar na Mauricio de Sousa Produções?



De 2003 a 2006, eu passei três anos sem emprego fixo, sustentando a família (esposa e três filhos) apenas com freelancers. Nessa fase, eu escrevi livretos da coleção 100 Respostas para a Editora Abril (Super-Heróis, Hanna-Barbera e Batman) e pensei em fazer o mesmo com o Mauricio, pela Globo, editora dele na época.



Quando ofereci o projeto, a editora sugeriu algo mais amplo, o que topei de imediato. Assim nasceu o Mauricio – Quadrinho a Quadrinho que saiu pela Globo, em março de 2006.



O livro conta a trajetória do Mauricio leitor até virar o autor e, depois, o empresário. Além disso, traz uma “minienciclopédia” com os 30 quadrinhos favoritos dele – aí, sim, um trabalho jornalístico, de pesquisa, mesclado com declarações do Mauricio sobre cada obra ou autor.



Então, durante uma palestra de lançamento do livro, na FNAC Pinheiros, em São Paulo, o Mauricio, ao responder uma pergunta de um leitor sobre como foi trabalhar comigo, disse que faríamos muitas coisas juntos. Eu, surpreso, perguntei: “Ah, é? Você não me avisou!” (risos).



Ele riu e, após a palestra, disse que pensava em montar uma área pra mim, aproveitando o meu conhecimento do mercado e o meu gosto por pesquisa. Aí, o Mauricio me chamou pra coordenar a área de Planejamento Editorial, que basicamente cria projetos para os mercados de quadrinhos e de livros ilustrados. Desde outubro de 2006, felizmente, muita coisa foi publicada. Desde a Coleção Histórica Turma da Mônica e as Tiras Clássicas da Turma da Mônica aos MSPs 50, as Graphics MSP e muitos, muitos livros.



9.               Quais suas funções na MSP atualmente?



Eu edito todos os livros que levam a marca da MSP, crio e edito projetos especiais de quadrinhos e ainda auxilio na revisão de materiais estratégicos da empresa para o mercado publicitário e em publicações institucionais.



10.           Quais linhas de quadrinhos coordena?



Linha regular, apenas a Graphic MSP, que já tem sete títulos lançados, mas que terminará 2015 com dez.



11.           Quanto à série “MSP50” e “Ouro da casa”, como foi trabalhar nestes projetos?



Foi maravilhoso. A ideia nasceu com o projeto MSP 50, quando o Mauricio fez 50 anos de carreira, em 2009. Eu bolei um projeto, de pegar 50 artistas brasileiros de quadrinhos e colocar os personagens do Mauricio nas mãos deles, em histórias curtas.

Aí, começaram a vir versões incríveis e eu pensei: “cabe mais”. Fiz a trilogia, com MSP +50 (2010) e MSP Novos 50 (2011), porque, como eu sempre brinco, todo nerd adora trilogia.



No ano seguinte, 2012, foi a vez de fazer o mesmo só com autores da MSP, o Ouro da Casa. E todos foram sucesso de público e crítica, e serviram para comprovar o quanto os personagens do Mauricio são ícones da Cultura Pop, pois eles “funcionam” mesmo em traços tão diversos.



Foi uma alegria e uma honra capitanear esses projetos.




12.           Desde então surgiram as graphic novels, como esta nova fase tem sido recebida pelo público e por vocês?



A ideia das Graphics MSP surgiu na época do MSP + 50, muito pelo barulho que comecei a fazer pela internet, angariando fãs que voltaram a ler Mauricio de Sousa, que aquilo era sucesso de público e crítica.



Então, comentei com o Mauricio da ideia de fazermos graphic novels. Após uma rápida conversa, ele enxergou o potencial do projeto me deu sinal verde.



Então, em novembro de 2011, no Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, divulguei os quatro teasers da primeira fase; e só a reação do público já me deu mais certeza de que tínhamos um grande caminho a percorrer.



Em 2013, quando anunciei as novas graphics, vivi o melhor momento profissional da minha carreira. Foi lindo demais! Centenas de pessoas se acotovelando para ouvir um anúncio de graphic novels brasileiras! Nunca sonhei ver isso, muito menos que eu fosse o “maestro” desse projeto.




Especialmente por já ter saído tanta coisa boa: Astronauta – Magnetar (2012), de Danilo Beyruth; Turma da Mônica – Laços (2013), de Vitor e Lu Cafaggi; Chico Bento – Pavor Espaciar (2013), de Gustavo Duarte; Piteco – Ingá (2013), de Shiko; Bidu – Caminhos (2014), de Eduardo Damasceno e Luis Felipe Garrocho; Astronauta – Singularidade (2014), de Danilo Beyruth; e Penadinho – Vida (2015), de Paulo Crumbim e Cristina Eiko.

 

E vamos lançar, ainda em 2015, Turma da Mônica – Lições (2013), de Vitor e Lu Cafaggi; Turma da Mata (ainda sem título definido), de Artur Fujita, Roger Cruz e Davi Calil; e Louco (também sem título definido) de Rogério Coelho.



Importante ressaltar que o autor é livre para reimaginar os personagens do Mauricio, mas a essência deles deve estar preservada. Obviamente, por estarem trabalhando com personagens com, em média, 50 anos de histórias, os autores não podem “pesar a mão”. Ou seja, eles precisam jogar com as mesmas regras que eu jogo.



Outra orientação: as histórias têm que fazer todo o sentido para os leitores brasileiros, mas também têm que funcionar para quem nunca leu nada de um personagem do Mauricio. No caso, falo de leitores estrangeiros. O projeto Graphic MSP foi concebido para ser também exportado para outros países; e o começo já foi promissor, pois Magnetar foi publicado, pela Panini, na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e França.



Ou seja, devem ser leituras universais.



 

Justamente por isso os livros trazem, nas páginas finais, informações sobre os personagens de Mauricio de Sousa, para que outros públicos saibam de onde surgiram as releituras.



Uma das coisas que mais apostei quando propus a criação do selo ao Mauricio foi que produzíssemos graphic novels dos mais diferentes estilos. Já teve ficção científica, humor, aventura, amizade etc.



Queria, com isso, mostrar para o mercado que temos, sim, autores capazes de produzir materiais para ser vendido em bancas e livrarias, que agradem a um público grande e não apenas a leitores deste ou daquele nicho. Felizmente, tem dado certo. E creio que, se outras editoras começarem a apostar em ideias similares, o mercado tende a crescer como um todo, o que seria ótimo.



Por fim, tenho que agradecer demais ao Mauricio por permitir que, como diz o Danilo Beyruth na página final de Magnetar, eu e os autores “brincássemos com os seus brinquedos”.



13.            Como é trabalhar na “área nerd” hoje em dia?

 

É um prazer, pois eu faço todos os produtos pensando no leitor. Justamente por ainda me considerar um deles.



14.           Algum trabalho mais marcante?



Não saberia escolher um. Todos são como filhos. E eu não tenho um filho favorito. Amo todos igualmente.



15.           O que vem por aí?



Para comemorar os 80 anos do Mauricio, programei três livros especialíssimos. O primeiro é uma compilação de todas as primeiras HQs do próprio Mauricio, publicados nas revistas Zaz-Traz e Bidu, da extinta editora Continental (que no meio do caminho passa a se chamar Outubro), pela Panini. Material raríssimo!



O segundo é uma coletânea, pela WMF Martins Fontes, dos três primeiros livros do Mauricio: A Caixa da Bondade, Piteco e Astronauta – No Planeta dos Homens-Sorvete, que saíram originalmente pela FTD em 1965 e estavam esgotados havia décadas. Ou seja, um baita resgate histórico.



E o terceiro é um livro ainda sem título definido, em que autores nacionais desenharão 25 passagens da vida do Mauricio baseadas em crônicas escritas por ele. Está ficando lindo!



16.           Algum recado para os leitores?



Que continuem prestigiando o meu trabalho e, principalmente, lendo quadrinhos. É missão de todo mundo que ama a arte sequencial mostrar o quanto ela é valiosa!





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