Pedi para algumas pessoas me falarem sobre uma HQ que marcou, sem ser mainstream. Algo diferente e desconhecido para muitos. Esta é a visão de Renato A. Azevedo de Luther Arkwrite. No final ainda uma pequena entrevista sobre sua experiência com HQs.
As Aventuras de Luther Arkwright, HQ publicada
pela Via Lettera em outubro de 2000 (número 1, A Espiral Dilacerante), e
janeiro de 2001 (número 2, As Portas da Percepção), deveria estar em qualquer
lista de clássicos de quadrinhos, o que certamente ocorreria se fosse publicada
por uma das grandes editoras. Considerada a obra máxima de Brian Talbot, membro
de uma geração importante de quadrinistas europeus, teve início em 1978 na
antologia britânica Near Myths, na forma de série. Naquele período turbulento
da história, Talbot criou uma trama complexa e intrincada, contestando inúmeras
ideias dominantes na sociedade.
A
história que se desenrola de forma não linear, e requer muita atenção durante a
leitura, tem puros conceitos de ficção científica, especialmente um que está
pouco a pouco deixando de ser ficção: universos ou realidades paralelas. A
trama vai se construindo enquanto visitamos diversas dessas paralelas, seguindo
as missões de Luther Arkwright. Esse personagem, cuja origem iremos entender ao
longo da história, possui incríveis poderes mentais como habilidade de leitura
de mentes, telecinese (capacidade de mover objetos à distância) e
principalmente a habilidade de se teletransportar de um universo paralelo para
outro. Logo descobrimos que, enquanto outros personagens possuem duplos na
maior parte desses universos, Luther é único, existe somente em uma forma.
Ele
é o principal agente de uma paralela que se intitula 00-00-00. Este é o único
mundo onde a humanidade conseguiu superar suas diferenças e se unir sob um
Congresso Mundial, dali monitorando inúmeras outras realidades através de um
supercomputador chamado Wotan. Mas paradoxalmente, esse mundo utópico precisa,
para proteger o Multiverso, interferir em outras realidades, o que
frequentemente causa guerras e perda de vidas. Muito interessantes, aliás, os
textos que aparecem em insights ao lado dos quadrinhos, fazendo esse tipo de
comentário.
E,
enquanto a calamidade que Zero-Zero está combatendo tem sua escalada através da
trama do tecido da realidade, vemos em pequenos quadros os efeitos em inúmeras
outras Terras paralelas. Então Wotan traça uma estratégia para uma nova missão,
desta vez na paralela 00-72-87, onde não ocorreu a Restauração Inglesa com a
volta da Monarquia, e prossegue a ditadura dos Cromwell. Essa realidade
atrasada e bárbara é dominada pelo fanatismo e nacionalismo, e o governo da
Inglaterra está totalmente sob o comando dos vilões da série, chamados de
Dilaceradores. Operando de uma paralela desconhecida, eles conseguem obter, no
Egito de outra realidade, um artefato que como Luther também só existe sob uma
única forma: a Opala Flamejante de Seth.
Nesse
momento somos apresentados a mais uma interpretação da teoria dos antigos
astronautas, mas Brian Talot, como se comprova já nas primeiras páginas, jamais
cai no lugar comum. E prosseguindo a leitura através dos dois volumes cabe
ainda apreciar sua maravilhosa e incrivelmente detalhada arte em preto e
branco, as impressionantes ramificações e conexões que apresenta, além de uma
verdadeira viagem ao âmago da vida e da morte já na introdução do volume 2.
Neste ainda podemos admirar uma sequência de ação, em câmera lenta e sem
qualquer diálogo, que leva várias páginas e é realmente de tirar o fôlego.
Tomei
conhecimento dessa incrível HQ lendo uma edição de 2001 da saudosa e
inesquecivel revista Sci-Fi News, e desde então se tornou uma de minhas
favoritas. Para quem conhece o tema das realidades paralelas por outras
produções, como a série Sliders ou o Multiverso da DC, com suas inúmeras Terras
alternativas, com absoluta certeza As Aventuras de Luther Arkwright será
surpreendente, pois leva esse conceito ao limite extremo, explorando o melhor
que a ficção científica pode produzir. Essa HQ teve sem dúvida grande
influência quando elaborei as primeiras histórias de meu próprio Multiverso,
centrado nos contos da Lista, um fórum transdimensional da internet que conecta
vários personagens, todos ligados à cultura e ao conhecimento. Por dois anos, esses
contos tiveram muito sucesso nas páginas da Sci-Fi News, motivo de grande
satisfação para mim, além de terem sido publicados em algumas antologias e
ebooks. O tema das realidades paralelas permite infinitas variações, além de
muita crítica social, exatamente como o mestre Brian Talbot mostrou.
Para
quem quiser entender um pouco mais a respeito, deixo abaixo a indicação de um
livro bem interessante, analisando as várias versões possíveis a respeito da
teoria, seriamente considerada, dos vários tipos de universos paralelos. Sim,
são vários modelos!
Hoje,
infelizmente, os dois volumes de As Aventuras de Luther Arkwright são um pouco
difíceis de encontrar, mas procure online e se se conseguir não hesite, pois a
obra é indispensável a qualquer coleção de quadrinhos!
BIO
Desde 2000 sou consultor da
Revista UFO, e fui colaborador da Revista Sci-Fi News. Escrevo ficção desde
1997, e já participei de várias antologias, a maioria de ficção científica. Fã
de quadrinhos desde sempre, tenho uma coleção não muito grande mas bem variada.
Contato:
E-mail: escritorcomr@uol.com.br
OBRAS
De Roswell a Varginha (Tarja
Editorial, 2008)
Filhas das Estrelas (Editora Estronho, 2011)
A Lista: Fenda
na Realidade (Amazon, 2015);
Participação nas antologias: Ufo:
Contos Não Identificados (Editora Literata, 2010), Medieval Scifi
(Estronho/Literata, 2010), Histórias Fantásticas Volume 1 (Estronho/Cidadela.
2010), Imaginários 4 (Draco, 2011), A Fantástica Literatura Queer – Volume
Laranja (Tarja, 2011), Retrofuturismo (Tarja, 2013), Adeus Planeta Terra
(Literata / Editora Onine Corujito, 2014), Monstros (Editora Buriti, 2014).
Como e quando você começou a se interessar pelas HQs?
Desde criança, com Disney e Turma
da Mônica, depois fui descobrindo os super-heróis (Batman é o melhor, claro), e
os menos conhecidos. Por sinal outro super-herói do qual sou fã é o Fantasma,
que infelizmente há muito tempo não é publicado no Brasil.
Lembra qual foi o primeiro quadrinho que te cativou?
Lembro de vários gibis
sensacionais do Fantasma, como o do casasamento e lua de mel (que infelizmente
perdi), um grande especial temático da Disney sobre invenções, bem antigo, e
alguns outros. Mas nada supera a emoção de ler pela primeira vez Batman – O
Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, em um dos primeiros encadernados dessa
obra que saíram. Sem dúvida a melhor história do Morcego, se tornou tão
importante para mim que quando saiu uma edição em capa dura em 2007 fiz questão
de comprar. E, como nerd sempre busca algo mais exclusivo, não resisti quando
vi em uma loja o Bat-Tanque dessa HQ, da coleção da Eaglemoss ainda por ser
lançada no Brasil, e o comprei! Uma recente que me cativou foi DC: A Nova Fronteira,
de Darwyn Cooke, que tem inúmeros personagens pouco conhecidos da DC ao lado
dos grandes, uma arte belíssima e uma trama bem detalhada passada nos anos
1950, recomendo!
Como os quadrinhos influenciaram sua vida?
Com os quadrinhos descobri o
gosto pela leitura, e hoje eles continuam dividindo minha atenção com os
livros. Já chegaram a influenciar até mesmo meu trabalho em ficção, e sem
dúvida continuam sendo uma fonte de muito divertimento e alegrias.
Na hora de ler, qual gênero de HQ prefere?
Minha coleção é bem variada e
eclética, então meu gosto depende do momento. Pode ser uma da Turma da Mônica
clássica, alguma de super-heróis, até mesmo algo mais pesado como As Aventuras
de uma Criminóloga, que descobri recentemente. Ultimamente, por sinal, tenho
lido muito poucas revistas de super-heróis de linha normal, sempre preferi as
graphic novels. Acho um pouco chato ficar meses a fio esperando pela sequência
ou final de uma história.
Sim, até cometendo algumas
daquelas loucuras nerd como comprar dois exemplares, um para ler e outro para
guardar com cuidado, hehehe. Além disso também há itens relacionados, como
vários dos modelos do Batmóvel lançados pela Hot Wheels.
Comecei a colecionar quando
comecei a ler, provavemente, e hoje devo ter algumas dezenas de exemplares, de
todos os tipos, mas a coleção, claro, segue aumentando!
Qual o mais caro? O mais raro? E o queridinho da coleção?
O posto mais caro provavelmente
vai para duas, aquela edição em capa dura do Cavaleiro das Trevas, mencionada
acima, e também outro encadernado similar, desta vez de outro clássico dos
quadrinhos, Watchmen. O posto de mais raro provavelmente vai para uma HQ do chupacabras
da Manticore, que chegou a estar nas bancas no final dos anos 90. Já apontar um
queridinho... são tantas as preferidas, e afinal tenho que dizer que toda a
coleção é muito importante, cada edição é marcante a sua maneira, então apontar
um favorito é complicado.
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