Cosmic Edition
Howard Phillips Lovecraft (20/08/1890 – 15/03/1937) tinha uma ótima definição sobre o que é medo: “o mais antigo e forte sentimento da humanidade é o medo, e o mais antigo e forte tipo de medo é o medo do desconhecido”. O autor norte-americano Nasceu em Providence, estado de Rhode Island, em uma das famílias mais afamadas do lugar. Porém problemas econômicos, as mortes do pai, do avô e da mãe, fizeram com que o jovem Howard nunca mais tivesse dinheiro sobrando.
Graças à enorme biblioteca do avô, ele se tornou fã de poesia e de Edgar Allan Poe. E, aos 27 anos, enveredou pela fantasia, ficção científica e terror. Na revista Weird Tales, em 1923, publicou pela primeira vez. Dagon, sua primeira história, também abre o livro H. P. Lovecraft – Medo Clássico Vol. 1, da DarkSide Books.
Miskatonic Edition
A primeira grande decisão a ser tomada, para os fãs de Lovecraft ou os que querem saber por que ele se tornou um mestre do horror cósmico, é escolher uma das duas edições disponíveis. Há a Cosmic Edition e a Miskatonic Edition, ambas com o mesmo conteúdo, e ambas lindíssimas. Acabei por optar pela Cosmic, e de antemão já parabenizo a equipe da DarkSide, pois o livro é um luxo só. Pena meu exemplar ter vindo sem marcadores...
Lovecraft, que se considerava um cavalheiro, nunca achou sua obra grande coisa, mas os fatos comprovaram o contrário. Após seu falecimento os amigos e frequentes correspondentes August Derleth e Donald Wandrei criaram a editora Arkham House para publicar seus trabalhos. Nos extras das duas lindas edições da DarkSide podem ser conferidos textos descrevendo como Howard se tornou um ícone, inspirando nomes como Neil Gaiman, Alan Moore, Stephen King e outros.
Recomendo fortemente, aliás, o documentário Lovecraft: Medo do Desconhecido, de 2008, que está disponível legendado, e conta tudo sobre a vida e obra do mestre!
Mas Lovecraft, o livro, traz em seus extras tudo que é essencial saber, e pesquisando a respeito se pode descobrir ainda mais fatos fascinantes sobre um dos maiores escritores do século XX. Em Lovecraft e a Cultura Pop descobrimos referências sensacionais à sua obra em várias mídias, e em Edgar Allan Poe & H. P. Lovecraft vemos como o primeiro influenciou decisivamente o segundo, e ambos são hoje considerados mestres em sua arte.
Seguindo os Passos de Howard Philips em Providence, de Clemente Penna, por outro lado, me inspirou a pesquisar mais pela internet a respeito de Providence, a amada cidade do autor. Clemente percorreu as mesmas ruas pelas quais Lovecraft perambulava, buscando inspiração, e conta detalhes sensacionais sobre ele. A Brown University que inspirou a Universidade do Miskatonic, onipresente em várias de suas histórias, a Fleur-de-Lys, casa do número 7 da Thomas Street onde morou o Professor Francis Wayland Thurston, protagonista de O Chamado de Cthulhu, e até o Observatório Ladd, onde Lovecraft descobriu seu amor pela astronomia, levando-o a praticamente fundar o gênero do horror cósmico.
Por sinal, conforme também narrado no livro, muitos o acusam de ser arcaico, não ligar para as questões de sua época e outras coisas. Mas Howard acompanhava de perto os avanços da astronomia, tanto que o obscuro e terrível planeta Yuggoth, nos limites exteriores do Sistema Solar, ele identificou como o então recém-descoberto Plutão. Isso vemos em Um Sussurro nas Trevas, que não faz parte do livro da DarkSide, mas está em O Habitante da Escuridão, da L$PM.
Em 2013, com a missão Messenger da NASA a Mercúrio, uma cratera nesse planeta foi batizada como Lovecraft. Mas a apoteose mesmo foi em 2015, com a passagem da New Horizons, também da NASA, por Plutão, que teve uma região escura em seu polo sul batizada como Cthulhu Regio. Vale lembrar que sua maior lua, Caronte, teve vários de seus acidentes geográficos batizados com nomes nerd. Mordor, Alice, Vulcano, Vader, Kirk, são apenas alguns destes! Clique aqui para conferir!
Graças aos soberbos textos extras da edição da DarkSide, também descobri que Providence realmente adotou seu filho ilustre. Anualmente acontece a convenção NecronomiCon, um busto de Lovecraft adorna a biblioteca Providence Athenaeum, e na esquina das ruas Prospect e Angell há uma placa indicando que aquela é a H. P. Lovecraft Memorial Square.
Bem merecido!
Mas afinal, o que dizer dos contos que compõem a edição da DarkSide?
Dagon, sua primeira obra publicada, também abre o livro. Um angustiado marinheiro descreve o infortúnio de ter ido parar em uma região desconhecida, com construções de pedra e hieróglifos descrevendo cenas e seres horripilantes. O pesadelo mesmo foi ter observado criaturas horrendas parecendo trabalhar ou fazer um culto no local, e ele prefere por fim à vida a conviver com a terrível lembrança.
A Cidade sem Nome tem uma trama parecida, mas neste o protagonista encontra no deserto uma cidade desconhecida, habitada muito tempo antes por seres não humanos. O horror da escuridão praticamente absoluta, dos sons horripilantes nos transporta para a própria aflição do personagem. A ambientação, como sempre na obra do mestre, é perfeita.
Herbert West Reanimator considerei a trama mais bizarra do livro. Um amigo de West narra a história, mostrando como ele conseguiu reanimar organismos mortos, com consequências terríveis além do que podiam imaginar. O sentimento de perseguição é uma constante no conto. Sim, dá medinho. Leia a noite, então...
O Depoimento de Randolph Carter evoca os mesmos sentimentos, as paredes parecendo se fechar, uma perseguição, a tentativa de saciar a sede de conhecimento levando a terríveis consequências. Lovecraft não é para fracos.
O Cão de Caça mostra novamente a busca, desta vez por conhecimentos ocultos e objetos profanos. Marca registrada do mestre, não espere nunca por finais felizes. Perder a sanidade seria a melhor coisa que poderia acontecer, caso você topasse com essas situações!
O Chamado de Cthulhu! A história mais conhecida de H.P. Lovecraft é também minha preferida, e também, penso eu, dos caros leitores. Antes me permitam falar ainda das magníficas e perturbadoras ilustrações que abrem cada história, de autoria de Walter Pax. São ao mesmo tempo aterrorizantes, repugnantes e lindas, traduzindo toda a estranheza da obra de Lovecraft. Gosto muito do Cthulhu que aparece no livro, pois ele é muito pouco humano. Considero muitas das representações que encontramos pela internet como antropomórficas demais. E lembrando disso, uma coisa que acrescentaria ao livro, acompanhando as reproduções de anotações originais de Lovecraft nos extras, é o desenho que o autor fez de sua criação mais conhecida.
A história é fascinante, com o já mencionado Wilcox investigando as estranhas circunstâncias da morte de seu tio-avô, George Angell. Descobre que este esteve em contato com um jovem artista que, em meio a pesadelos, elaborou uma tosca placa de argila com a representação de um tipo de monstro. Wilcox descobre que Angell rastreou outros artistas com semelhantes distúrbios, e tomou parte de um encontro da Sociedade Arqueológica Americana, anos antes, quando estranhos fatos aconteceram. A atração principal, não prevista, foi a chegada do inspetor John Legrasse, trazendo uma estranha e diabólica estatueta onde o mesmo monstro da placa de argila era representado com riqueza de detalhes. A história avança para um culto assassino investigado pela polícia de New Orleans, e finalmente uma remota localização no Pacífico onde uma testemunha pode ter entrado em contato com o aterrorizante Cthulhu.
E como se pronuncia Cthulhu, mesmo?
E o terrível cântico de seus seguidores?
Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn
Para este, pelo menos, encontramos um vídeo! O próprio Lovecraft dizia que as letras e sílabas são uma tentativa de traduzir com o alfabeto humano palavras ditas por organismos alienígenas totalmente diversos. Assim não existe realmente uma pronúncia correta, somente uma lista de possibilidades; Cathulhu, Kutulu, Cleyton, Chuchulu, Txutxulu...
Nas Montanhas da Loucura foi outra história que me encantou, descrevendo uma expedição à Antártida organizada pela Universidade Miskatonic, mas que dá terrivelmente errado. Gosto muito da descrição do equipamento, muito avançado para a época, levado pela equipe, que inclusive chega ao Continente Gelado passando pela Baía do Almirantado, o local onde está instalada nossa Base Comandante Ferraz. A descoberta das montanhas colossais, maiores do que qualquer outra na Terra, os espécimes estranhos com uma biologia nunca vista, o silêncio de rádio e a descoberta do desastre compõem somente a ambientação inicial quando o geólogo William Dyer e o estudante de graduação Danforth saem de avião para investigar as gigantescas Montanhas da Loucura e o que existe atrás delas. Encontram uma colossal cidade alienígena abandonada há milhões de anos, e perambulando por seus edifícios descobrem obras esculpidas nas paredes que contam uma história fantástica. Antes do surgimento da vida na Terra chegaram do espaço os Antigos, que se espalharam pelo mundo e tiveram guerras contra outros visitantes das estrelas, antes de fatos ainda mais terríveis acontecerem. Como sempre o sentido de urgência e de “olhar por cima do ombro”, para vislumbrar aquela presença horrenda e ancestral espiando você, preenchem a história.
A Sombra vinda do Tempo é outra história fascinante, na qual o protagonista, por algum tempo, “não foi ele mesmo”. Logo, com fragmentos de recordações surgidos em sonhos, ou melhor, pesadelos, ele descobre que sua consciência foi cativa de seres capazes de viajar no tempo, enquanto seu corpo foi o veículo de um representante dessa raça. Mais uma trama do mestre Lovecraft que nos coloca como mera poeira em um Universo colossal e hostil, com seres cuja mera existência nos impele à loucura, a destruição, ou a coisas ainda piores. Fascinante história que tem muito a ver com livros, adorei!
A História do Necronomicon é a última do livro, um breve relato do blasfemo livro de autoria do árabe louco Abdul Alhazred. Os nomes Cthulhu, Miskatonic e Necronomicon estão ao menos mencionados em quase todas as histórias, compondo então os chamados Mitos de Cthulhu, a genial criação de H. P. Lovecraft. Interessante ainda é ver a quantidade de fontes na internet que consideram que tanto o Necronomicon como Alhazred são reais, nada mais distante da realidade. Esse nome, aliás, foi usado pelo próprio Lovecraft como pseudônimo. O pessoal deveria aproveitar a internet e pesquisar mais.
A fantástica abertura do episódio do Dia das Bruxas assinada por Gillermo Derl Toro. Viu Lovecraft brindando com Cthulhu? Não? E as outras referências? Clique aqui para conferir todas!
H. P. Lovecraft – Medo Clássico Vol. 1 é um livro lindíssimo, aterrorizante e fascinante. Seja na Cosmic ou Miskatonic Edition, é uma obra indispensável para entender a importância de Lovecraft para a cultura em geral, e cultura pop em particular. Até mesmo em animações como Os Simpsons e Scooby-Doo Mistério S.A. vemos alusão a seu trabalho, e ler esse livro magnífico da DarkSide Books foi um enorme prazer. Mais que recomendado, e que venham mais!
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