O Bem e o Mal.
Dois conceitos antagônicos, explorados em inúmeras produções de todas as mídias. Talvez uma das imagens mais icônicas representando esse confronto seja Obi-Wan Kenobi e Darth Vader em Star Wars Episódio IV, Uma Nova Esperança.
Nós nos empolgamos com essas batalhas incríveis desde cedo, das quais participando lendo livros ou quadrinhos, assistindo a filmes ou seriados. Mas quando crescemos aprendemos algo que muda nossas vidas.
Tanto o Bem quanto o Mal estão dentro de cada um de nós. O que diferencia um herói de um vilão são as escolhas, “o que fazemos com o tempo que nos é dado”, nas palavras de Gandalf.
Pensei bastante a respeito desses conceitos lendo a estupenda Eu, Vilão, de autoria de Walter Junior, lançada pela Overdrive Comics em 2017. Nós a conseguimos com o próprio Walter na Exposição Super-Heróis do Brasil, acontecendo até o final de setembro no Shopping Continental, e a edição é mais uma prova do excelente trabalho realizado pelos quadrinistas brasileiros.
Eu, Vilão começa com uma perseguição da polícia contra dois bandidos que é bruscamente interrompida. Os meliantes não contavam com a aparição de Torpedo, super-herói que se coloca em seu caminho e contra o qual seu carro bate. A colisão resultou na morte dos criminosos, e abalado Torpedo anunciou que não mais se envolveria em assuntos policiais, mas somente sociais.
Até poderia ser um belo exemplo, amplamente noticiado pela mídia, se no mesmo noticiário que apresentou tais fatos não fosse anunciada a realização do Big House XXX (é trinta em numerais romanos, e não indicativo de “ vídeos educativos”, combinado?) maior reality sow da TV. Por aí, em duas páginas, já nos damos conta do tom mordaz da história.
Em tempo, os quadrinhos representando telas de televisão são uma bela referência ao clássico Batman: O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, claro!
Seis meses depois, uma discussão acontece em um vagão de metrô, com um cara com ar de justiceiro social exigindo que um personagem com o rosto cheio de cicatrizes saia do assento reservado a idosos e deficientes. O vagão está vazio, mas o sujeito insiste, até que Retalho, o cara das cicatrizes, tome algumas atitudes emulando o Rorschach de Watchmen.
Nos quadrinhos seguintes aprendemos que Torpedo é um super-herói patrocinado, apoiado por uma empresa que faz seu marketing e que inclusive ele estará na grande final do Big House XXX. E descobrimos que o terceiro personagem que aparece na capa da revista é um garoto de capuz, óculos e muita revolta que deseja mostrar a outros de sua comunidade que é durão. Para isso ele segue Retalho, é confrontado pelo anti-herói, e este tenta lhe incutir um mínimo de valores importantes.
Somos estão apresentados à origem de Torpedo e Retalho (que podem ou não ter sido um casal, esse elemento fica no ar em minha opinião), evento do qual cada um tomou rumos bem diferentes. Torpedo vai realizar uma ação humanitária em um país em guerra, mas o resultado é o pior e mais trágico possível. O herói anuncia então sua aposentadoria.
Retalho, nesse meio tempo, é procurado pela polícia como suspeito de uma explosão que ocorreu no metrô, e temos até outro apresentador da TV, daquele tipo bem sensacionalista, comentando o assunto. Só vendo a bela arte de Walter Junior para descobrir mais uma referência da televisão brasileira!
Enquanto um grupo chamado MRS, Manifesto da Ruptura Social, anuncia um protesto para o dia da final do Big House XXX (que é esnobado pela apresentadora, afinal todos “têm” que assistir à final do reality show), ao mesmo tempo acontece o encontro final entre Torpedo, Retalho e o garoto de capuz e óculos. Deste nada posso escrever, muito menos qual é o epílogo que esclarece como aconteceu a explosão no metrô.
Conforme explica nos extras da excelente edição, Walter Junior elaborou o que seria a semente da história em 2002, e somente em 2013, auge dos atos em diversas cidades do país contra os políticos, sentiu que poderia dar um tratamento adequado à trama. Elaboração do roteiro, escolha da paleta de cores, tudo contribuiu para um extraordinário resultado.
Posso dizer tranquilamente que, depois de ler Eu, Vilão, nunca chamaria Torpedo de herói. Um herói de verdade age, não importa o quanto custe, em nome do que é certo. Ao mesmo tempo, Retalho não pode ser chamado de vilão, comprovando que os anti-heróis costumam ser os personagens mais interessantes para se trabalhar, ler ou assistir. Acima de tudo o que me encantou na história foi a crítica contra a futilidade, a soberba das tais “celebridades”, e a inutilidade da busca por riqueza e acima de tudo a ostentação a qualquer custo.
Eu, Vilão, discute elementos muito presentes hoje na sociedade e na mídia, por meio de uma história de super-heróis. Muito poucas HQs do gênero têm sido capazes disso nos últimos tempos, o que somente confirma a qualidade dessa estupenda trama. Mais que recomendada!
O Walter, por sinal, foi um dos artistas que entrevistamos no Corujice Pop, confira:
E não esqueça de visitar o site do Walter Junior clicando aqui!
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