segunda-feira, 13 de abril de 2020

Resenha: Rallye Volta da América 1978 2008


Quem me acompanha nas redes sociais já deve saber que sou um ardoroso fã de motores, veículos e automobilismo. E (modo jabá on) até escrevi Vó Nena e os Caçadores – O Fusca Azul, extravasando um pouco dessa paixão. A Má sabe bem a quantidade de miniaturas de Fusca e outros modelos que tenho na coleção, e que será aumentada assim que possível!

O livro que agora resenhamos, de autoria de Paulo Torino e Renato Pastro, lançado pela Imagens da Terra Editora, narra uma das mais incríveis aventuras de todos os tempos, e um dos maiores feitos já conquistados pelo automobilismo brasileiro. Os protagonistas foram Christiano Nygaard e Neri Reolon, a bordo do intrépido Fusca verde-amarelo, número 110, da equipe Gaúcha-Car.


O Rallye Volta da América, disputado entre 17 de agosto e 24 de setembro de 1978, percorreu nada menos que 29.000 km passando por Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Chile, com partida e chegada em Buenos Aires. A competição aconteceu para comemorar a conquista da Copa do Mundo de Futebol pelos argentinos naquele mesmo ano, e foi inspirada nas duas edições anteriores do Rali da Copa do Mundo (World Cup Rally). Também conhecido como Londres – México, a edição de 1970 uniu as cidades-sede da Copa de 1970 e da anterior, percorrendo 25.700 km, com parte do percurso acontecendo no Brasil.


Já a edição 1974 é também conhecida por Londres – Saara – Munique, esta última a cidade-sede da Copa daquele ano. É muito significativo para o Brasil pela participação, a bordo de um VW Brasilia, dos brasileiros Claudio Mueller e Carlos Weck, que estavam entre os 19 carros, dos 52 que largaram, a chegar ao final da duríssima e perigosa prova de 19.300 km de extensão. Tão perigosa que a FIA, a Federação Internacional do Automóvel, proibiu novas edições do Rali da Copa do Mundo.

Tais provas inspiraram não somente a Volta da América, como também outra prova de que os leitores certamente ouviram falar, o Rali Dakar. Mas isso é outra história, vamos voltar à resenha?


Finalizada a “aulinha” de história, os argentinos organizaram a Vuelta a La América del Sud, descrita no início deste texto, para carros normais de produção sem qualquer preparação, a não ser a instalação de equipamentos de segurança, e divididos em quatro categorias conforme o tamanho do motor. A equipe Gaúcha-Car, dona de vários títulos nos campeonatos de rali no Brasil, inclusive com os mesmos Nygaard e Reolon em 1977, se interessou em participar da prova. Para isso contou com a Volkswagen, que enviou para a equipe gaúcha dois Fuscas que seriam destinados a uma equipe do Líbano que desistiu de participar.

As tripulações foram os já mencionados Neri Reolon e Christiano Nygaard, navegador e piloto respectivamente, no Fusca número 110. E o número 105 coube a Jorge Fleck, um dos mais conhecidos pilotos gaúchos, e o português Mário Figueiredo. Como o Neri comenta na entrevista que encerra o livro, devido à distância que tinham que percorrer em cada etapa, sendo que em uma ocasião a competição durou 36 horas direto, dividir o volante do carro entre a dupla era essencial.


“Mas Renato”, vocês devem estar se perguntando, “correr de Fusca? Um carrinho tão fraco e lento?”. Não sejam “fuscofóbicos”! E o pequeno besouro, apelido carinhoso do modelo, já teve muitas vitórias em competições sim! Exemplo: neste ano o Campeonato Mundial de Rali teria a volta de uma de suas provas mais famosas, o Rali do Quênia, também conhecido como Safari. E sabe que modelo ganhou sua primeira edição em 1953, repetindo a dose em 1954 e 1957? Ele mesmo, o Fusca!

No começo dos anos 70 a equipe Salzburg, que deu à Porsche sua primeira vitória na geral nas 24 Horas de Le Mans em 1970, preparou Fuscas para rali que ficaram conhecidos pelo nome de Salzburg Käfer (este último é o nome do Fusca em sua terra natal), e venceram ralis importantes como o de Elba. E lógico, aqui no Brasil o carrinho ficou célebre na Divisão 3, categoria muito famosa entre os anos 70 e 80, com seus Fuscas preparados com equipamentos importados que passavam fácil de 200 km/h. Visite a página deles no Facebook, e esta outra para conferir!

Bom, depois de mais essa aulinha de história, voltemos ao livro! A largada em Buenos Aires, na Avenida del Libertador, diante da sede do Automóvil Club Argentino, foi apoteótica. Uma multidão enlouquecida acompanhou a saída dos 57 concorrentes, e é preciso dizer que nossos hermanos são malucos por automobilismo, talvez até mais do que nós (lembrando que eles têm cinco títulos na F-1, todos com Juan Manuel Fangio, e nós temos oito, dois de Emerson Fittipaldi, três de Nelson Piquet e outros três de Ayrton Senna). E lá o esporte tem um apoio incomparavelmente maior do que aqui.


A equipe mais forte do Rallye Volta da América era sem dúvida a da Mercedes, com oito carros, incluindo o de Andrew Cowan e Colin Malkin, que seriam os vencedores da competição, e o de Timo Makinen e Jean Todt. Este último é bem conhecido, tendo sido chefe de equipe da Peugeot e da Ferrari, e é o atual presidente da Federação Internacional do Automóvel, FIA. E que inclusive prestou um depoimento para o livro.

Em uma das etapas iniciais aconteceu uma das situações que poderia favorecer os Fuscas brasileiros, um atoleiro que pegou boa parte dos competidores. Porém esse trecho acabou sendo neutralizado, para inconformismo de nossos pilotos, e suspeitas de que a Mercedes, que teve muitos problemas nessa etapa, tinha recebido uma “ajuda”. Mas a prova seguiu, e Neri conta na entrevista que a equipe alemã acabou ajudando os brasileiros, disponibilizando seus pontos de abastecimento. Os Fuscas 105 e 110 foram equipados com tanques maiores, mas mais combustível significa mais peso, então o auxílio foi bem proveitoso, e os alemães cumpriram à risca o combinado.

Falando em apoio, concessionárias Volkswagen nos países pelos quais o Rallye passava faziam a necessária manutenção em nossos carros, e Neri e Christiano haviam tomado a decisão de guiar com cuidado, poupando o equipamento para conseguir chegar ao final da maratona. Não foi o caso da maioria de seus concorrentes, e até mesmo de Fleck e Figueiredo, que tiveram um problema mecânico na etapa entre Lima e Cuzco, perdendo muitas horas até conseguir realizar o conserto.

De longe a história mais insólita do rali aconteceu com os chilenos Carlos Acevedo e Miguel Angel Moya. De madrugada, na etapa de Comodoro Rivadavia a Bahia Blanca, eles viram pelos retrovisores uma potente iluminação se aproximando, e assumiram serem um dos Mercedes. Subitamente a luz ficou praticamente sobre eles e os pilotos alegam terem sentido o carro decolar, e depois do susto foram largados a 70 km da chegada, com o tanque quase vazio, mas sem terem percorrido a distância total da etapa.


Reboque alienígena realmente é algo muito raro na história do automobilismo! Habitantes locais declararam que era comum a visão de objetos voadores não identificados por ali.

Todos os pilotos, até os brasileiros, concordaram que a etapa mais dura foram os 2.352 km de Cuiabá a Manaus. Foi aqui que os já mencionados Makinen e Todt capotaram seu Mercedes quatro vezes a 160 km/h, mas conseguiram chegar ao final da prova depois do incidente. O parque fechado em Manaus ficou conhecido como “cemitério de automóveis”, pois carros e tripulações sofreram muito, inclusive com atoleiros que demandaram muitas horas para serem percorridos.


As condições sem dúvida eram terríveis para todos. Por exemplo, entre Cúcuta e Bogotá a diferença de altitudes estava entre 948 a 2.696 m acima do nível do mar. Entre Lima e Cuzco os competidores também subiram e desceram muito, entre 421 e 3.800 m de altitude, em plena Cordilheira dos Andes. Christiano conta na entrevista que na aduana entre Bolívia e Chile desceu do carro para resolver os trâmites, subiu três degraus que lá havia e ficou literalmente sem ar, tamanha a altitude.

Chamar todos esses pilotos de heróis parece mesmo muito pouco! Hoje, no Dakar e outros ralis de longa distância, existem as facilidades de GPS, celular via satélite e tudo mais. Em 1978? Nada disso, só hodômetros e cronômetros para seguir o livro de bordo, entregue antes de cada largada, o rádio comum dos carros e só.

Aventura no mais alto nível!


Na entrevista que fecha o livro Neri, Christiano e Fleck contam um pouco sobre a história do rali no Brasil, o apoio recebido do Clube Porto Alegre de Rallye (aproveitem e visitem o Facebook dessa associação, que inclusive patrocinou o livro), e suas carreiras. Interessante que o rali no Brasil, até 1978, era de regularidade, ou seja, para cada etapa os organizadores apontam uma média de velocidade que precisa ser mantida, e mais rápido ou mais lento do que a média acarreta pontos perdidos, vence quem tem menos penalizações. Já provas de velocidade, onde a equipe que marcar o menor tempo em uma etapa vence, como o Rallye Volta da América, só começaram no Brasil cerca de um mês antes dessa longuíssima maratona.


A réplica do Fusca 110 exposta no Museu do Automobilismo Brasileiro; atrás dele a réplica da Brasília do Rali da Copa do Mundo 1974.


O livro é absolutamente saboroso, contando a história de uma grande vitória do esporte brasileiro, vencedores do maior rali já realizado em sua categoria. Infelizmente se desconhece o destino dos Fuscas participantes, mas uma réplica do vitorioso número 110 está hoje exposta no Museu de Automobilismo de Passo Fundo. Já quem quiser conhecer essa grande aventura deve ler esse livro, e como dica aponto que meu exemplar foi encontrado em um sebo online. Recomendo muito, pois é emocionante, e como fã de automobilismo deixo os parabéns a Christiano Nygaard e Neri Reolon pela extraordinária conquista!

Até as próximas aceleradas!

2 comentários:

  1. Muito legal! Obrigado por compartilhar.

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  2. Cheguei a conclusão de que a capital do automobilismo, no que diz respeito a memória, não está nem em São Paulo, nem no Rio de Janeiro, mas no Rio Grande do Sul. Parabéns pelo acervo.

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