terça-feira, 26 de maio de 2020

Reino do Amanhã 24 anos depois


Neste mês de maio de 2020 completam-se 24 anos do lançamento de uma das maiores obras-primas da DC Comics. Reino do Amanhã (Kingdom Come) de Mark Waid e Alex Ross, teve seus quatro números lançados entre maio e agosto de 1996, e foi mais uma daquelas graphic novels que continuam influenciando tudo que veio depois.

A arte pintada de Alex Ross é até hoje inigualável, e reler a história, nestes momentos em que para nós, ao mesmo tempo em que para muitos personagens da trama, por vezes parece não haver esperança, foi uma emoção daquela de lavar a alma.

Minha edição é a de 2004, a primeira encadernação que, entre outras cenas extras, traz o Superman visitando Apokolips, então governada por Orion, e um antológico encontro entre Superman, Mulher-Maravilha e Batman em uma lanchonete, no final do volume, do qual não vou revelar nada. Vá ler!

Entre vários versículos da Bíblia, principalmente do Apocalipse, somos apresentados ao reverendo Norman McCay, que depois de se despedir de seu amigo Wesley Dodds (o Sandman, não aquele que vocês estão pensando, mas sim um herói da Era de Ouro dos quadrinhos e membro da Sociedade da Justiça da América, o primeiro grupo de super-heróis de todos os tempos), visita a lanchonete Planet Krypton e precisa se salvar de uma batalha entre meta-humanos que basicamente está destruindo um quarteirão da cidade.


Esse é o problema do mundo de Norman. A velha guarda de super-heróis, aqueles que conhecemos e amamos, está aposentada ou desaparecida, e a nova geração, composta entre outros por alguns descendentes daquele grupo, não compartilha de seus ideais heroicos. Não existe mais supervilões, então esses meta-humanos passam o tempo brigando entre si, sem a menor consciência ou compaixão em relação a quem estiver perto.

Reino do Amanhã não deixa de ser uma resposta contra os novos super-heróis, que de “heróis” nada tinham, extremamente violentos que infestavam os quadrinhos norte-americanos nos anos 1990, especialmente da Image Comics. Essa tentativa de revigorar o ideal heroico está espalhada por toda a trama, e tem em um amargurado Superman seu grande protagonista.

Uma das páginas mais sensacionais de Reino do Amanhã é a que traz a Trindade da DC, o kryptoniano, o vigilante e a princesa amazona, em poses clássicas. As cenas de Batman e de Superman remetem diretamente a suas primeiras aparições nos quadrinhos!


Tais easter eggs estão espalhados por toda a HQ. No mencionado Planet Krypton os funcionários se vestem como os heróis de outrora, a decoração traz itens de memorabilia que enlouqueceriam qualquer fã (Batman 1966 é um grande destaque), e antes de chegar à lanchonete Reino do Amanhã presta tributo a Watchmen. Primeiro com uma pichação em um muro com a famosa frase “Who watches the Watchmen”, e depois em uma vitrine onde está exposto um exemplar de Sob o Capuz de Hollis Mason.

Na leitura que fiz para escrever este artigo e em pesquisas pela rede encontrei ainda mais easter eggs. Entre a enorme variedade dos personagens presentes (e os novos estão descritos em painéis no final do livro que reproduzem as capas dos números originais) encontram-se outros convidados muito especiais. E não, não vou dizer onde estão, afinal a graça está em encontrá-los, e não faz sentido estragar a surpresa, certo?


Mas posso dizer que no segundo capítulo, Verdade e Justiça, ali pela metade dele, se pode observar ao fundo as presenças de Sherlock Holmes, Rorschach, Questão, O Sombra e o Monstro do Pântano! E no terceiro capítulo, Lá no Céu, ali pelo terço final se podem contemplar, meio pequenas é verdade, as silhuetas e cores inconfundíveis do Homem-Aranha, Thor e Capitão América!

Algo que muito me marcou nessa leitura foi o prefácio assinado por outro grande nome dos quadrinhos, Elliot S. Maggin. Em determinado ponto ele escreve:

“... nossa resposta adequada à inexorável marcha do progresso... é encontrar um caminho para encarar esse progresso com responsabilidade. Não com pequeneza. Não sem consciência própria. Não com fé em um poder maior que o nosso que descerá do céu para acertar as coisas, apesar dos nossos esforços para estragar tudo. Temos a obrigação de saber quem somos, aonde vamos e o que podemos fazer. Temos a obrigação de entender os desdobramentos daquilo que fazemos, e de escolher fazê-lo – ou não – de olhos abertos”.

Em meio á luta de meta-humanos da qual McCay se abriga, uma notícia horrível choca o mundo. E é depois que a Mulher-Maravilha leva esse fato ao recluso Superman que o kryptoniano decide retornar á cena, inspirando outros a fazê-lo. Ao mesmo tempo o Espectro, um personagem místico da DC e que atua a mando do próprio Deus, surge para Norman McCay e lhe diz que o reverendo será seu guia na iminente catástrofe que ocorrerá, da qual os responsáveis serão punidos por ele.

O Superman e seus companheiros iniciam seu trabalho, recrutando os meta-humanos que decidem segui-los, e lutando e confinando aqueles que não querem seguir seu exemplo. Batman, claro, tem Gotham sob seu controle e não pretende ser mais um ao lado do antigo aliado, e é evidente que uma terceira parte iria surgir para tirar proveito da situação.

Alguma surpresa esta ser comandada por Lex Luthor? A surpresa é ele ter ninguém menos que o Capitão Marvel a seu lado!


Sim, o herói que primeiro usou esse nome, criado diante do sucesso do Superman e cuja editora, a Fawcett Comics, foi processada na época pela DC que afinal acabou adquirindo seus direitos. O herói hoje lamentavelmente chamado somente de Shazam (que era o mago que convocou Billy Batson para ser o Mortal Mais Poderoso do Mundo, aliás) e que em seu filme teve sua antiga editora homenageada com o nome do colégio onde estudam Billy e seus irmãos adotivos. Assistam, é bem legal!

Aliás, outros easter eggs surgem na sede da ONU, que é exatamente igual ao Palácio da Justiça da série dos Superamigos, e a prisão de meta-humanos, imagem e semelhança da base da Legião do Mal na mesma animação!

É, conter inúmeros meta-humanos incrivelmente poderosos em uma prisão, tiveram mesmo essa ideia em Reino do Amanhã. Bem, o conflito em qualquer história tem que começar em um ponto, né? E a escalada dos acontecimentos vai se elevando de forma acelerada, até o monumental confronto final, no qual a humanidade aterrorizada tenta uma ação desesperada para sobreviver.


A tragédia e o triunfo são duas faces da mesma moeda em Reino do Amanhã. E da primeira tem participação destacada o já mencionado, primeiro e único, Capitão Marvel. Lembrando que, ao contrário dos filmes recentes, aqui o Superman, como na série Smallville, aliás, é vulnerável à magia. O combate titânico entre ele e Marvel é dramático, histórico e espetacular, e foi inclusive reproduzido na fabulosa animação Liga da Justiça Sem Limites:



Por sinal, Reino do Amanhã inspirou alguns fanfilmes muito caprichados. Aqui montaram um trailer com cenas dos filmes mais recentes da DC:


E claro que vocês leitores já repararam que também é desta HQ que veio a armadura dourada da Mulher-Maravilha em seu próximo filme! A Amazona, por sinal, tem nesta trama, mais do que em outras, muito bem explorados seus dois lados, embaixadora da paz e guerreira. Mas já que a diplomacia não está dando muitos resultados, Diana naturalmente decide que suas habilidades guerreiras terão resultado mais efetivo na ação. E realmente ela mete medo agindo assim!


Mas disparado o melhor fanfilme de Reino do Amanhã (e um dos melhores fanfilmes que já vi) é este:


A maravilhosa Reino do Amanhã, através das palavras de Norman McCay em um dos discursos mais veementes e emocionantes dos quadrinhos, nos ensina que é nas situações mais difíceis que devemos nos esforçar para manter a esperança. E nas ações e atos heroicos de muitos personagens nos exibe aquela velha lição do melhor do heroísmo, que esses ícones que aprendemos a amar sempre nos inspiram, que o verdadeiro herói não é aquele que tem os maiores poderes, mas aquele que sempre age para defender os melhores valores que nos fazem humanos. Que o herói, acima de tudo, é aquele que faz o certo.


Nestes tempos tão duvidosos e difíceis que estamos vivendo, reler Reino do Amanhã foi mais uma vez uma experiência magnífica e enriquecedora. Quando essa HQ histórica e essencial completa mais um aniversário, recomendo muito que você faça o mesmo.

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