domingo, 16 de maio de 2021

DC: A Nova Fronteira; para Darwyn Cooke








            Há algumas certezas já bem estabelecidas no mundo maravilhoso dos quadrinhos.

            Batman: O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, foi uma revolução que até hoje influencia não somente as histórias do Batman, mas de todos os super-heróis.

            Watchmen, de Alan Moore, muito pelo contrário representa uma completa desconstrução da narrativa típica desses personagens.

            Para mim, que desde que li a obra-prima que pretendemos homenagear aqui, em 2007, DC: A Nova Fronteira está no mínimo em pé de igualdade com as duas tramas mencionadas acima. Especialmente por fazer o que a magistral história elaborada pelo gênio Darwyn Cooke fez: reafirmar o ideal, os valores e tudo que nos faz fãs de quadrinhos em primeiro lugar!


 

           As inigualáveis mais de 400 páginas dessa obra essencial são uma declaração de amor ao gênero, com suas cores, seus personagens sorridentes, o clima vibrante dos anos 1950 e de novo, pela reafirmação de que herói é aquele que faz a coisa certa porque pode. Que encara o perigo sem medo, aceitando as consequências da luta pela liberdade, esta que é um elemento essencial e inegociável da condição humana. E que deixa as diferenças de lado e se une a outros heróis para, ao final do dia, salvarem o mundo!

            Darwyn Cooke, o gênio nascido em 16 de novembro de 1962 e que partiu cedo demais, em 14 de maio de 2016, portanto já há cinco anos, conseguiu com DC: A Nova Fronteira lançar uma luz sobre o universo dos quadrinhos que brilha intensamente ainda hoje. E é para honrar sua memória que apresentamos esta pequena homenagem.

            Aqui no Brasil foram publicadas duas versões dessa HQ. A primeira, em dois volumes e capa cartonada, foi lançada em 2006 e já continha uma ótima quantidade de extras. Mas nem se compara com o primor que é a edição em capa dura de 2018, que além de comentários do próprio Cooke detalhando cada capítulo da obra, traz trechos inéditos que detalham mais personagens essenciais à trama, como Flash e o Caçador de Marte. Além disso, apresenta três histórias também inéditas que contam uma aventura bem feminista de Mulher-Maravilha e Canário Negro, uma investigação que reúne Robin e Kid Flash, e o primeiro confronto entre Batman e Superman, que se passa antes da primeira menção a eles na história principal e é resolvido pela Princesa Amazona.


            A luxuosa edição ainda apresenta mais textos e artes extras, e é um documento absolutamente essencial para qualquer colecionador! Estou relendo a trama capítulo a capítulo, entremeando com os comentários de Darwyn detalhando-os, e tem sido maravilhoso, como se redescobrisse novamente esse conto extraordinário! Sabemos assim que, no começo da trama em 1945, ele queria que fosse o Sargento Rock e sua equipe a encontrar a ilha misteriosa, mas que precisou por certos motivos usar os Perdedores. Mas Rock aparece em destaque no painel, logo no início, que explica porque os heróis ficaram de fora da Segunda Guerra Mundial.

            A debandada da Sociedade da Justiça da América, outra cena impactante do início da história, foi por Darwyn inspirada em outro clássico da DC que pouca gente conhece, A Era de Ouro de James Robinson, Paul Smith e Richard Ory. Isso se deveu à famigerada era do macarthismo, quando os quadrinhos foram fortemente censurados, o que motiva, na história, a perseguição a vários heróis.

            Um dos melhores elementos de A Nova Fronteira é como Cooke apresenta seus personagens lidando com as questões de momento, ao passo que o pano de fundo para a grande ameaça que por fim todos terão que enfrentar vai sendo construído aos poucos. Uma das leituras que o inspirou nisso foi a história A Guerra que o Tempo Esqueceu (The War That Time Forgot) apresentada na revista Star Spangled War Stories. A ideia que ele teve a partir daí foi simplesmente genial!


            Um dos arcos mais emocionantes e chocantes de Nova Fronteira é o de John Wilson, que se torna o vigilante John Henry quando sua família é assassinada. John é negro no Tennessee, o que tornava a vida quase impossível diante da opressão da Ku Klux Klan. E como Darwyn comenta, ver a criatura mais inocente da história cometer o ato mais abominável de toda a trama é chocante. Mas há uma compensação no final, mostrando sem dúvida como John Henry é um dos maiores heróis da história.


            O arco mais longo e o principal é sem dúvida o de Hal Jordan, personagem que é o favorito de Darwyn. E de novo, é brilhante como ele mistura com perfeição ficção e fatos reais em sua história, passando pelo final dos anos quarenta com menções ao filme Os Eleitos (assista!), a Guerra da Coréia onde ele nos brinda com uma das melhores versões de Lois Lane já vistas, até a Indochina onde a Mulher-Maravilha aplica uma lição que o Superman nunca mais deve ter esquecido.

            A Princesa Amazona, por sinal, é um dos pontos focais da trama e a voz da consciência, fazendo o kryptoniano questionar sua opção de cooperar com o governo norte-americano. A chegada do Caçador de Marte, que adota a identidade do investigador de polícia John Jones, é fundamental não somente para o desenvolvimento do arco de Hal Jordan, como também para a descoberta do grande perigo de toda a saga. Isso acaba envolvendo o Batman, que por sua vez considera o Superman o mais qualificado a lidar com a questão. Sim, evocando a história extra mencionada acima!

            Em 2008 A Nova Fronteira foi adaptada como uma das melhores animações já lançadas pela DC e Warner.

 

Trailer DC: A Nova Fronteira



 

            É bastante fiel ao conteúdo principal da história, mas assim como Darwyn Cooke comentou na época, eu mesmo senti muita falta de um grande número de sequências. Talvez, como foi feito com O Cavaleiro das Trevas, devesse ter sido adaptada em duas partes. Isso permitiria explorar melhor a complexidade de muitos personagens fundamentais para a trama. Rick Flagg é um deles, e por favor esqueçam a versão do filme Esquadrão Suicida! Acho impressionante como ele é quase um equivalente ao Comediante de Watchmen, mas da mesma forma como aquele não conseguimos odiá-lo, justamente por suas falhas e paixões muito humanas!


            Cooke explora esse e outros personagens obscuros da DC Comics, como Os Perdedores já mencionados, a Força-Tarefa X e os Desafiadores do Desconhecido, e os feitos de todos estes na história passam aquela vontade de pesquisar mais a respeito deles. A luta de boxe entre Pantera Grant e um ainda estreante Cassius Clay é uma das mais espetaculares sequências da saga, por sinal. Figuras muito reais têm participação curta mas de destaque, como os apresentadores Edward R. Murrow, um dos corajosos a combater o macarthismo, e Walter Cronkite. Como assim você não sabe quem é ele!?

 

Walter Cronkite homem na Lua


 

            Outro projeto de animação de que Darwyn Cooke tomou parte foi a inigualável Série Animada do Batman, na qual reafirmou seu talento desenhando os storyboards das cenas. Além disso, elaborou o conceito da abertura de Batman do Futuro:

 

Batman do Futuro abertura



 

            E também é dele o curta de Batman do Futuro celebrando os 75 anos do Morcego:

 

Batman do Futuro Batman 75 anos


 

            Nas HQs ele participou de inúmeros projetos, sempre com grande destaque. Vale mencionar as graphic novels Batman: Ego e Mulher-Gato: Um Crime Perfeito, a história de Antes de Watchmen – Espectral e a história e a arte de Antes de Watchmen – Minutemen. Esta última, não por acaso, a melhor da série!


           
Fiquei muito emocionado quando li Future Quest, de Jeff Parker, Evan Shaner e Steve Rude, que reúne os clássicos personagens da Hanna Barbera, e percebi semelhanças indisfarçáveis com a trama de A Nova Fronteira. Conferindo nos textos extras descobri que ele participou dos primeiros esboços dessa história, que evidentemente se tornou uma de minhas preferidas! E outra ótima referência foi feita no número 26 da Turma da Mônica Jovem, segunda série, no grande encontro com os personagens da DC Comics. O roteiro de Marcelo Cassaro é também uma bela homenagem ao grande universo de Darwyn Cooke!

            DC: A Nova Fronteira é uma declaração de amor aos quadrinhos, e de longe a maior obra-prima dessa arte no século XXI. Eu a coloco tranquilamente ao lado das grandes HQs mencionadas no início deste texto como uma das mais importantes histórias de super-heróis já criadas. E encerro este texto saudando esse artista extraordinário que lançou uma luz brilhante e duradoura sobre a arte dos quadrinhos, nos fazendo acreditar novamente nos mais nobres ideais e valores que fazem um herói de verdade.

            Pois foi isso que Darwyn Cooke foi, e é. Obrigado, mestre, por sua obra inigualável, que continuará nos encantando e inspirando para sempre!

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