Há algumas certezas já bem estabelecidas no mundo maravilhoso dos quadrinhos.
Batman:
O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, foi uma revolução que até hoje
influencia não somente as histórias do Batman, mas de todos os super-heróis.
Watchmen,
de Alan Moore, muito pelo contrário representa uma completa desconstrução da
narrativa típica desses personagens.
Para
mim, que desde que li a obra-prima que pretendemos homenagear aqui, em 2007,
DC: A Nova Fronteira está no mínimo em pé de igualdade com as duas tramas
mencionadas acima. Especialmente por fazer o que a magistral história elaborada
pelo gênio Darwyn Cooke fez: reafirmar o ideal, os valores e tudo que nos faz
fãs de quadrinhos em primeiro lugar!
As inigualáveis mais de 400 páginas dessa obra essencial são uma declaração de amor ao gênero, com suas cores, seus personagens sorridentes, o clima vibrante dos anos 1950 e de novo, pela reafirmação de que herói é aquele que faz a coisa certa porque pode. Que encara o perigo sem medo, aceitando as consequências da luta pela liberdade, esta que é um elemento essencial e inegociável da condição humana. E que deixa as diferenças de lado e se une a outros heróis para, ao final do dia, salvarem o mundo!
Darwyn
Cooke, o gênio nascido em 16 de novembro de 1962 e que partiu cedo demais, em
14 de maio de 2016, portanto já há cinco anos, conseguiu com DC: A Nova
Fronteira lançar uma luz sobre o universo dos quadrinhos que brilha
intensamente ainda hoje. E é para honrar sua memória que apresentamos esta
pequena homenagem.
Aqui
no Brasil foram publicadas duas versões dessa HQ. A primeira, em dois volumes e
capa cartonada, foi lançada em 2006 e já continha uma ótima quantidade de
extras. Mas nem se compara com o primor que é a edição em capa dura de 2018,
que além de comentários do próprio Cooke detalhando cada capítulo da obra, traz
trechos inéditos que detalham mais personagens essenciais à trama, como Flash e
o Caçador de Marte. Além disso, apresenta três histórias também inéditas que
contam uma aventura bem feminista de Mulher-Maravilha e Canário Negro, uma
investigação que reúne Robin e Kid Flash, e o primeiro confronto entre Batman e
Superman, que se passa antes da primeira menção a eles na história principal e
é resolvido pela Princesa Amazona.
A
luxuosa edição ainda apresenta mais textos e artes extras, e é um documento
absolutamente essencial para qualquer colecionador! Estou relendo a trama
capítulo a capítulo, entremeando com os comentários de Darwyn detalhando-os, e
tem sido maravilhoso, como se redescobrisse novamente esse conto
extraordinário! Sabemos assim que, no começo da trama em 1945, ele queria que
fosse o Sargento Rock e sua equipe a encontrar a ilha misteriosa, mas que
precisou por certos motivos usar os Perdedores. Mas Rock aparece em destaque no
painel, logo no início, que explica porque os heróis ficaram de fora da Segunda
Guerra Mundial.
A
debandada da Sociedade da Justiça da América, outra cena impactante do início
da história, foi por Darwyn inspirada em outro clássico da DC que pouca gente
conhece, A Era de Ouro de James Robinson, Paul Smith e Richard Ory. Isso se
deveu à famigerada era do macarthismo, quando os quadrinhos foram fortemente
censurados, o que motiva, na história, a perseguição a vários heróis.
Um
dos melhores elementos de A Nova Fronteira é como Cooke apresenta seus
personagens lidando com as questões de momento, ao passo que o pano de fundo
para a grande ameaça que por fim todos terão que enfrentar vai sendo construído
aos poucos. Uma das leituras que o inspirou nisso foi a história A Guerra que o
Tempo Esqueceu (The War That Time Forgot) apresentada na revista Star Spangled
War Stories. A ideia que ele teve a partir daí foi simplesmente genial!
O arco mais longo e o principal é sem dúvida o de Hal Jordan, personagem que é o favorito de Darwyn. E de novo, é brilhante como ele mistura com perfeição ficção e fatos reais em sua história, passando pelo final dos anos quarenta com menções ao filme Os Eleitos (assista!), a Guerra da Coréia onde ele nos brinda com uma das melhores versões de Lois Lane já vistas, até a Indochina onde a Mulher-Maravilha aplica uma lição que o Superman nunca mais deve ter esquecido.
A
Princesa Amazona, por sinal, é um dos pontos focais da trama e a voz da
consciência, fazendo o kryptoniano questionar sua opção de cooperar com o
governo norte-americano. A chegada do Caçador de Marte, que adota a identidade
do investigador de polícia John Jones, é fundamental não somente para o
desenvolvimento do arco de Hal Jordan, como também para a descoberta do grande
perigo de toda a saga. Isso acaba envolvendo o Batman, que por sua vez
considera o Superman o mais qualificado a lidar com a questão. Sim, evocando a
história extra mencionada acima!
Em
Trailer DC: A Nova Fronteira
É
bastante fiel ao conteúdo principal da história, mas assim como Darwyn Cooke
comentou na época, eu mesmo senti muita falta de um grande número de
sequências. Talvez, como foi feito com O Cavaleiro das Trevas, devesse ter sido
adaptada em duas partes. Isso permitiria explorar melhor a complexidade de
muitos personagens fundamentais para a trama. Rick Flagg é um deles, e por
favor esqueçam a versão do filme Esquadrão Suicida! Acho impressionante como
ele é quase um equivalente ao Comediante de Watchmen, mas da mesma forma como
aquele não conseguimos odiá-lo, justamente por suas falhas e paixões muito
humanas!
Walter Cronkite homem na Lua
Outro
projeto de animação de que Darwyn Cooke tomou parte foi a inigualável Série
Animada do Batman, na qual reafirmou seu talento desenhando os storyboards das
cenas. Além disso, elaborou o conceito da abertura de Batman do Futuro:
Batman do Futuro abertura
E
também é dele o curta de Batman do Futuro celebrando os 75 anos do Morcego:
Batman do Futuro Batman 75 anos
Nas
HQs ele participou de inúmeros projetos, sempre com grande destaque. Vale
mencionar as graphic novels Batman: Ego e Mulher-Gato: Um Crime Perfeito, a
história de Antes de Watchmen – Espectral e a história e a arte de Antes de
Watchmen – Minutemen. Esta última, não por acaso, a melhor da série!
DC:
A Nova Fronteira é uma declaração de amor aos quadrinhos, e de longe a maior
obra-prima dessa arte no século XXI. Eu a coloco tranquilamente ao lado das
grandes HQs mencionadas no início deste texto como uma das mais importantes
histórias de super-heróis já criadas. E encerro este texto saudando esse
artista extraordinário que lançou uma luz brilhante e duradoura sobre a arte
dos quadrinhos, nos fazendo acreditar novamente nos mais nobres ideais e
valores que fazem um herói de verdade.
Pois
foi isso que Darwyn Cooke foi, e é. Obrigado, mestre, por sua obra inigualável,
que continuará nos encantando e inspirando para sempre!
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