sábado, 17 de abril de 2021

A Revolta de Atlas resenha






            A primeira vez que li algo a respeito de Ayn Rand (02/02/1905-06/03/1982) e sua maior obra foi em 2020 quando, em meio à pandemia, o Instituto Liberdade espalhou outdoors em Porto Alegre com a pergunta:

            “Quem é John Galt?”.

            Pesquisando a respeito, descobri que já havia até salvo uma imagem com um pensamento de Ayn Rand que diz muito a respeito do mundo em geral, e do Brasil em particular, e que continha este texto:

             “Quando há comércio não por consentimento, mas por compulsão, quando para produzir é necessário pedir permissão a homens que nada produzem, quando o dinheiro flui para aqueles que não vendem produtos, mas têm influência, quando os homens enriquecem mais pelo suborno e pelos favores do que pelo trabalho, e as leis não protegem quem produz de quem rouba, mas quem rouba de quem produz, quando a corrupção é recompensada e a honestidade vira um sacrifício, pode ter certeza de que a sociedade está condenada”.




             Essa é somente uma pequena parte do discurso de um dos personagens mais fascinantes de A Revolta de Atlas, Francisco D´Anconia, herdeiro da Cobre D´Anconia, uma das empresas mais ricas e poderosas do mundo, atuando em inúmeros países. Contudo, desde alguns anos antes Francisco vem agindo de forma estranha, demonstrando pouco interesse pelos negócios apesar de ser um gênio financeiro, dando mais valor às festas e a vida de playboy. Ninguém, inclusive as pessoas de seu convívio mais próximo, conhece os motivos que o levam a agir assim.

            Uma dessas pessoas é Dagny Taggart. Vice-presidente de operações da ferrovia Taggart Transcontinental, ela cresceu junto com Francisco e os dois foram amantes por um bom tempo. Em uma noite, cerca de uma década antes, Francisco se deitou com ela pela última vez e, desesperado, lhe pede que o ajude a resistir apesar de dizer: “Ele tem razão!”. Nos anos que se seguiram, Dagny passou a desprezar tudo quanto dizia respeito à D´Anconia.




            Ayn Rand, nascida em São Petersburgo na Rússia, emigrou para os Estados Unidos e ali se naturalizou, abominando todas as formas de coletivismo e socialismo. Publicou A Revolta de Atlas (Atlas Shrugged) em 1957, época em que era ainda incomum ver mulheres no comando de empresas. Daí que Dagny, a verdadeira força motriz da Taggart Transcontinental, é uma presença incômoda para muitos em eventos e reuniões sociais ao longo da história. Em uma festa o “escritor” Balph Eubank, um dos que seguem a onda “progressista” que contaminou quase todas as nações da Terra e avança cada vez mais sobre os Estados Unidos, afirma que Dagny é um sintoma dos males da industrialização, que esta tirou a humanidade das pessoas e um exemplo é ela, “que administra uma estrada de ferro ao invés de se dedicar à arte da tecelagem e criar filhos”. Mesmo outras mulheres não deixam de manifestar seu desagrado contra Dagny.

            Por sinal, a quem ainda tem reservas contra Ayn Rand recomendo este pequeno vídeo:

 



            A mim não restam dúvidas de que Ayn Rand era uma autêntica feminista.

            E por que chamei Eubank de “escritor”, entre aspas? Por “pérolas” como estas: ele defende uma lei que determine que qualquer livro poderia ser publicado com no máximo 10 mil cópias. Alega que isso abriria o mercado para novos autores e novas ideias, e que autores profissionais não deveriam viver de escrever, e somente aqueles sem objetivos financeiros deveriam publicar livros. Perguntado se mais de 10 mil pessoas quisessem ler um livro, ele afirma que isso é irrelevante, como considera irrelevante o enredo de uma história.

            Sim, Ayn Rand previu a lacração e os justiceiros sociais que hoje se esforçam para destruir várias franquias da cultura pop.



            A Taggart Transcontinental é presidida por James Taggart, irmão de Dagny e figura importante da elite que é chamada de saqueadores por todos aqueles que ainda acreditam no trabalho e na produção. Taggart e seus comparsas se valem do compadrio, da influência e da corrupção para conseguir o que querem. Por isso fica enfurecido quando sua irmã contrata a produção de novos trilhos para a Linha Rio Norte, que a empresa mantém no Colorado e sofre uma fortíssima competição de outra ferrovia, a Phoenix-Durango.

            O Colorado se tornou um porto seguro na economia americana graças à Petróleo Wyatt, e Dagny pretende competir com a Phoenix. Para isso encomenda trilhos de um novo metal produzidos pela Siderúrgica Rearden, enquanto James insiste em seu fornecedor tradicional, Orren Boyle, outro dos saqueadores. Hank Rearden, dono da siderúrgica que leva seu nome, desenvolveu um metal muito mais leve e resistente que o aço e, quando surge a notícia de que a Taggart irá usá-lo, tem início uma campanha feroz desaconselhando sua utilização.


           A campanha não apresenta qualquer informação precisa que indique algum problema com o Metal Rearden. Pelo contrário, se vale somente da opinião de pessoas famosas. De novo, alguém percebe alguma similaridade com o que acontece em um país nem tão distante?

            Em meio à disputa Dagny forma uma nova ferrovia diante da insistência do irmão para salvar as aparências. E a batiza como Linha John Galt, o nome da gíria que todos falam. Ela tem sucesso e o Colorado prospera, mas o governo e os saqueadores inventam leis que se destinam a “garantir a igualdade de oportunidades”. Trata-se, na verdade, de sufocar a competição, impedir que grandes empresas invistam para “abrir o mercado aos pequenos”. Do pacote ainda constam elevadíssimos impostos sobre as empresas do Colorado a fim de incentivar os estados vizinhos.

            É claro que não somente nada disso dá certo, como o desastre é de colossais proporções. E acontece com Ellis Wyatt algo que já vinha acontecendo com muitas personalidades notáveis ao longo da trama: ele abandona tudo e desaparece.



            Dagny se consola com Hank. Eles começaram a sair juntos após a inauguração da Linha John Galt, e durante uma viagem de carro descobrem, em uma indústria abandonada, um misterioso motor. Dagny faz de tudo para descobrir seu criador, sem sucesso, encarando o horror de imitações de figuras humanas que destruíram aquela empresa até então bem sucedida com ideias “progressistas”. A atuação dos saqueadores não tem limites e a hipocrisia deles é exposta em vários momentos, incluindo na mesma festa mencionada acima.

            Em determinado momento Francisco e James Taggart conversam, e este o cobra a respeito das Minas de San Sebastian, no México. Aclamado como um investimento que melhoraria significativamente a vida da população daquela região pobre do país, esse investimento da Cobre D´Anconia se revelou um fiasco quando o governo mexicano nacionalizou o empreendimento e depois descobriu que as minas não valiam nada. O prejuízo para muitas empresas foi imenso. Dagny, por sinal, teve que combater o desejo do irmão de também embarcar nessa, mas ela somente enviou material de refugo para lá, resguardando sua empresa.



            Diante da cobrança de Taggart, Francisco diz que somente atuou baseado nos ideais mais elevados que ele e os outros defendem. Sendo totalmente altruísta e sem visar o lucro, pagando salários altos para a população da região trabalhar nas minas. Diante do descomunal prejuízo, James fica fora de si.

            Essa mesma hipocrisia tem sido vista hoje mesmo, bem aqui em nosso mundo, da parte da absoluta maioria daqueles justiceiros sociais que defendem filmes e seriados horríveis, onde o enredo é irrelevante e nos quais o mais importante é “transmitir a mensagem transformadora”. Com tamanhas antecipações e previsões confirmadas, considero impressionante que o nome de Ayn Rand não seja sempre mencionado ao lado de outros autores de distopias como George Orwell e Ray Bradbury.

            Em determinado ponto de uma conversa com seus comparsas, James Taggart afirma que deveria haver uma lei contra boatos. Alguém aí pensou fake news? Então eu acrescento: quem checa as agências de checagem?

            James é sem dúvida um daqueles personagens que amamos odiar. Outros são os cientistas Dr. Floyd Ferris e Dr. Robert Stadler. Este último chega a criticar um livro assinado pelo primeiro que basicamente ensina a nada questionar, que o pensamento independente é uma ilusão, e que as pessoas devem somente se ajustar e obedecer.

            Pensem no exato oposto do grande Carl Sagan e terão uma ideia de quem são essas duas figuras que estão entre os personagens mais abomináveis do livro!

            E para quem viveu os vários planos econômicos que assolaram o Brasil entre os anos 80 e 90, um dos muitos complôs do governo e dos saqueadores é um apanhado de todas as fórmulas que os populistas defendem até hoje. Entre os tópicos estão: nenhum trabalhador pode ser demitido ou pedir demissão; nenhum estabelecimento pode ser fechado por seus proprietários; todas as patentes e direitos autorais devem ser entregues ao governo; ninguém pode divulgar qualquer novo aparelho ou invenção (e sim, isso se aplica também aos escritores, que não poderão escrever novos livros); todas as empresas devem produzir exatamente a mesma quantidade de seus produtos do último ano; todas as pessoas devem adquirir a mesma quantidade de produtos do último ano; todos os salários, lucros e demais indicadores são congelados. E claro que quando são mencionados os escritores, um dos conspiradores afirma que ninguém quer um autor publicando um livro questionando o programa.

            Preciso escrever mais alguma coisa? Lembram-se das notícias recentes de imposição de taxação contra os livros? Então...

            Depois de tentarem impedir que Hank Rearden vendesse seu metal, os saqueadores fazem um simulacro de julgamento porque ele, um dos industriais que vinham sustentando a economia em crise perpétua, fez uma venda tornada ilegal pelas leis absurdas impostas pelo governo. Em determinado ponto, o texto de Ayn Rand alude à forma como a multidão se mostra sem esperanças mesmo diante dos slogans otimistas martelados pela mídia a serviço do governo. Isso me evocou a lembrança de “o melhor do Brasil é o brasileiro”, e às vezes imagino que Ayn Rand teve acesso a uma máquina do tempo para vir conhecer nosso “país do futuro”.



            Em A Revolta de Atlas, Ayn Rand deixa muito claro que se a culpa é socializada e todos devem assumir sua cota de sacrifícios, então a responsabilidade evidentemente também o é, e não recai em nenhum indivíduo realmente culpado. E também extrapola as consequências da intervenção dos agentes estatais na sociedade, descrevendo como poder excessivo nas mãos desses é a receita certa para o desastre.

            Tudo que expus aqui, as tramas dos saqueadores, as lutas de Hank Rearden e Dagny Taggart, esta auxiliada por Eddie Willers (um dos personagens secundários que mais me cativou na trama) é somente uma ínfima parte de A Revolta de Atlas. Um livro que faz uma defesa como poucas vezes vi da liberdade e do direito individual, descrevendo como cada indivíduo é responsável por suas ações e por buscar a liberdade e a felicidade como valores supremos. Com esse monumental tomo de 1215 páginas, Ayn Rand defende firmemente os valores da racionalidade, da honestidade, da justiça, integridade, produtividade e orgulho.

            A aterradora realidade dessa história é um bom exemplo do que acontece quando a liberdade e a criatividade são tolhidas. Não por acaso, é uma ameaça com que nos defrontamos hoje, o que somente torna esse livro ainda mais essencial. E também por isso é uma das obras mais combatidas em certos círculos, bem como sua autora. E isso porque Ayn Rand combate ferozmente os que exigem sacrifícios mas jamais se sacrificam, os que afirmam que para termos segurança é necessário que abramos mão de nossas liberdades, e que chamam de egoístas e sem “consciência social” os que se dedicam a suas ideias, projetos e visões pessoais.

            Em boa hora o governo de Minas Gerais determinou que A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, seja estudado nas escolas públicas daquele estado. Essa diversidade de visões de mundo é altamente necessária nestes tempos de tantas tentativas contra a liberdade e a liberdade de expressão.

            A Editora Arqueiro tem atualmente A Revolta de Atlas disponível em um box com três volumes, ou em volume único. Além disso existe uma edição também em volume único com capa exclusiva da Amazon, como o meu exemplar. A eles parabéns pela iniciativa de publicar esse livro no Brasil, e espero que continuem a disponibilizá-lo.

             E nessa longa leitura e pesquisa sobre A Revolta de Atlas, descobri ainda que o livro teve suas três partes adaptadas como uma trilogia de filmes. Vale a pena conferir o trailer do primeiro, sigam para os demais por sua conta, OK?

 



            A Revolta de Atlas de Ayn Rand é uma obra impressionante, com personagens fascinantes, inúmeros detalhes que são reunidos de forma coesa ao longo da história, e ainda vários elementos de ficção científica (o motor mencionado lá em cima é um destes) com uma poderosa mensagem contra o vitimismo, a corrupção e muitas mazelas de nosso mundo, defendendo de forma implacável a liberdade, a iniciativa individual e a criatividade. Vale muito a leitura, inclusive para responder à grande pergunta:

           



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