A
primeira vez que li algo a respeito de Ayn Rand (02/02/1905-06/03/1982) e sua
maior obra foi em 2020 quando, em meio à pandemia, o Instituto Liberdade
espalhou outdoors em Porto Alegre com a pergunta:
“Quem
é John Galt?”.
Pesquisando
a respeito, descobri que já havia até salvo uma imagem com um pensamento de Ayn
Rand que diz muito a respeito do mundo em geral, e do Brasil em particular, e
que continha este texto:
Uma
dessas pessoas é Dagny Taggart. Vice-presidente de operações da ferrovia Taggart
Transcontinental, ela cresceu junto com Francisco e os dois foram amantes por
um bom tempo. Em uma noite, cerca de uma década antes, Francisco se deitou com
ela pela última vez e, desesperado, lhe pede que o ajude a resistir apesar de
dizer: “Ele tem razão!”. Nos anos que se seguiram, Dagny passou a desprezar
tudo quanto dizia respeito à D´Anconia.
Ayn
Rand, nascida em São Petersburgo na Rússia, emigrou para os Estados Unidos e
ali se naturalizou, abominando todas as formas de coletivismo e socialismo.
Publicou A Revolta de Atlas (Atlas Shrugged) em 1957, época em que era ainda
incomum ver mulheres no comando de empresas. Daí que Dagny, a verdadeira força
motriz da Taggart Transcontinental, é uma presença incômoda para muitos em
eventos e reuniões sociais ao longo da história. Em uma festa o “escritor”
Balph Eubank, um dos que seguem a onda “progressista” que contaminou quase
todas as nações da Terra e avança cada vez mais sobre os Estados Unidos, afirma
que Dagny é um sintoma dos males da industrialização, que esta tirou a
humanidade das pessoas e um exemplo é ela, “que administra uma estrada de ferro
ao invés de se dedicar à arte da tecelagem e criar filhos”. Mesmo outras
mulheres não deixam de manifestar seu desagrado contra Dagny.
Por
sinal, a quem ainda tem reservas contra Ayn Rand recomendo este pequeno vídeo:
A
mim não restam dúvidas de que Ayn Rand era uma autêntica feminista.
E
por que chamei Eubank de “escritor”, entre aspas? Por “pérolas” como estas: ele
defende uma lei que determine que qualquer livro poderia ser publicado com no
máximo 10 mil cópias. Alega que isso abriria o mercado para novos autores e
novas ideias, e que autores profissionais não deveriam viver de escrever, e
somente aqueles sem objetivos financeiros deveriam publicar livros. Perguntado
se mais de 10 mil pessoas quisessem ler um livro, ele afirma que isso é
irrelevante, como considera irrelevante o enredo de uma história.
Sim,
Ayn Rand previu a lacração e os justiceiros sociais que hoje se esforçam para
destruir várias franquias da cultura pop.
A
Taggart Transcontinental é presidida por James Taggart, irmão de Dagny e figura
importante da elite que é chamada de saqueadores por todos aqueles que ainda
acreditam no trabalho e na produção. Taggart e seus comparsas se valem do
compadrio, da influência e da corrupção para conseguir o que querem. Por isso
fica enfurecido quando sua irmã contrata a produção de novos trilhos para a
Linha Rio Norte, que a empresa mantém no Colorado e sofre uma fortíssima
competição de outra ferrovia, a Phoenix-Durango.
O
Colorado se tornou um porto seguro na economia americana graças à Petróleo
Wyatt, e Dagny pretende competir com a Phoenix. Para isso encomenda trilhos de
um novo metal produzidos pela Siderúrgica Rearden, enquanto James insiste em
seu fornecedor tradicional, Orren Boyle, outro dos saqueadores. Hank Rearden,
dono da siderúrgica que leva seu nome, desenvolveu um metal muito mais leve e
resistente que o aço e, quando surge a notícia de que a Taggart irá usá-lo, tem
início uma campanha feroz desaconselhando sua utilização.
Em
meio à disputa Dagny forma uma nova ferrovia diante da insistência do irmão
para salvar as aparências. E a batiza como Linha John Galt, o nome da gíria que
todos falam. Ela tem sucesso e o Colorado prospera, mas o governo e os
saqueadores inventam leis que se destinam a “garantir a igualdade de
oportunidades”. Trata-se, na verdade, de sufocar a competição, impedir que
grandes empresas invistam para “abrir o mercado aos pequenos”. Do pacote ainda
constam elevadíssimos impostos sobre as empresas do Colorado a fim de
incentivar os estados vizinhos.
É
claro que não somente nada disso dá certo, como o desastre é de colossais
proporções. E acontece com Ellis Wyatt algo que já vinha acontecendo com muitas
personalidades notáveis ao longo da trama: ele abandona tudo e desaparece.
Dagny
se consola com Hank. Eles começaram a sair juntos após a inauguração da Linha
John Galt, e durante uma viagem de carro descobrem, em uma indústria
abandonada, um misterioso motor. Dagny faz de tudo para descobrir seu criador,
sem sucesso, encarando o horror de imitações de figuras humanas que destruíram
aquela empresa até então bem sucedida com ideias “progressistas”. A atuação dos
saqueadores não tem limites e a hipocrisia deles é exposta em vários momentos,
incluindo na mesma festa mencionada acima.
Em
determinado momento Francisco e James Taggart conversam, e este o cobra a
respeito das Minas de San Sebastian, no México. Aclamado como um investimento
que melhoraria significativamente a vida da população daquela região pobre do
país, esse investimento da Cobre D´Anconia se revelou um fiasco quando o
governo mexicano nacionalizou o empreendimento e depois descobriu que as minas
não valiam nada. O prejuízo para muitas empresas foi imenso. Dagny, por sinal,
teve que combater o desejo do irmão de também embarcar nessa, mas ela somente
enviou material de refugo para lá, resguardando sua empresa.
Diante
da cobrança de Taggart, Francisco diz que somente atuou baseado nos ideais mais
elevados que ele e os outros defendem. Sendo totalmente altruísta e sem visar o
lucro, pagando salários altos para a população da região trabalhar nas minas.
Diante do descomunal prejuízo, James fica fora de si.
Essa
mesma hipocrisia tem sido vista hoje mesmo, bem aqui em nosso mundo, da parte
da absoluta maioria daqueles justiceiros sociais que defendem filmes e seriados
horríveis, onde o enredo é irrelevante e nos quais o mais importante é
“transmitir a mensagem transformadora”. Com tamanhas antecipações e previsões
confirmadas, considero impressionante que o nome de Ayn Rand não seja sempre
mencionado ao lado de outros autores de distopias como George Orwell e Ray
Bradbury.
Em
determinado ponto de uma conversa com seus comparsas, James Taggart afirma que
deveria haver uma lei contra boatos. Alguém aí pensou fake news? Então eu
acrescento: quem checa as agências de checagem?
James
é sem dúvida um daqueles personagens que amamos odiar. Outros são os cientistas
Dr. Floyd Ferris e Dr. Robert Stadler. Este último chega a criticar um livro
assinado pelo primeiro que basicamente ensina a nada questionar, que o
pensamento independente é uma ilusão, e que as pessoas devem somente se ajustar
e obedecer.
Pensem
no exato oposto do grande Carl Sagan e terão uma ideia de quem são essas duas
figuras que estão entre os personagens mais abomináveis do livro!
E
para quem viveu os vários planos econômicos que assolaram o Brasil entre os
anos 80 e 90, um dos muitos complôs do governo e dos saqueadores é um apanhado
de todas as fórmulas que os populistas defendem até hoje. Entre os tópicos
estão: nenhum trabalhador pode ser demitido ou pedir demissão; nenhum estabelecimento
pode ser fechado por seus proprietários; todas as patentes e direitos autorais
devem ser entregues ao governo; ninguém pode divulgar qualquer novo aparelho ou
invenção (e sim, isso se aplica também aos escritores, que não poderão escrever
novos livros); todas as empresas devem produzir exatamente a mesma quantidade
de seus produtos do último ano; todas as pessoas devem adquirir a mesma
quantidade de produtos do último ano; todos os salários, lucros e demais
indicadores são congelados. E claro que quando são mencionados os escritores,
um dos conspiradores afirma que ninguém quer um autor publicando um livro
questionando o programa.
Preciso
escrever mais alguma coisa? Lembram-se das notícias recentes de imposição de
taxação contra os livros? Então...
Depois
de tentarem impedir que Hank Rearden vendesse seu metal, os saqueadores fazem
um simulacro de julgamento porque ele, um dos industriais que vinham
sustentando a economia em crise perpétua, fez uma venda tornada ilegal pelas
leis absurdas impostas pelo governo. Em determinado ponto, o texto de Ayn Rand
alude à forma como a multidão se mostra sem esperanças mesmo diante dos slogans
otimistas martelados pela mídia a serviço do governo. Isso me evocou a
lembrança de “o melhor do Brasil é o brasileiro”, e às vezes imagino que Ayn
Rand teve acesso a uma máquina do tempo para vir conhecer nosso “país do
futuro”.
Em
A Revolta de Atlas, Ayn Rand deixa muito claro que se a culpa é socializada e
todos devem assumir sua cota de sacrifícios, então a responsabilidade
evidentemente também o é, e não recai em nenhum indivíduo realmente culpado. E
também extrapola as consequências da intervenção dos agentes estatais na
sociedade, descrevendo como poder excessivo nas mãos desses é a receita certa
para o desastre.
Tudo
que expus aqui, as tramas dos saqueadores, as lutas de Hank Rearden e Dagny
Taggart, esta auxiliada por Eddie Willers (um dos personagens secundários que
mais me cativou na trama) é somente uma ínfima parte de A Revolta de Atlas. Um
livro que faz uma defesa como poucas vezes vi da liberdade e do direito
individual, descrevendo como cada indivíduo é responsável por suas ações e por
buscar a liberdade e a felicidade como valores supremos. Com esse monumental
tomo de 1215 páginas, Ayn Rand defende firmemente os valores da racionalidade,
da honestidade, da justiça, integridade, produtividade e orgulho.
A
aterradora realidade dessa história é um bom exemplo do que acontece quando a
liberdade e a criatividade são tolhidas. Não por acaso, é uma ameaça com que nos
defrontamos hoje, o que somente torna esse livro ainda mais essencial. E também
por isso é uma das obras mais combatidas em certos círculos, bem como sua
autora. E isso porque Ayn Rand combate ferozmente os que exigem sacrifícios mas
jamais se sacrificam, os que afirmam que para termos segurança é necessário que
abramos mão de nossas liberdades, e que chamam de egoístas e sem “consciência
social” os que se dedicam a suas ideias, projetos e visões pessoais.
Em
boa hora o governo de Minas Gerais determinou que A Revolta de Atlas, de Ayn
Rand, seja estudado nas escolas públicas daquele estado. Essa diversidade de
visões de mundo é altamente necessária nestes tempos de tantas tentativas
contra a liberdade e a liberdade de expressão.
A Editora Arqueiro tem atualmente A Revolta de Atlas disponível em um box com três volumes, ou em volume único. Além disso existe uma edição também em volume único com capa exclusiva da Amazon, como o meu exemplar. A eles parabéns pela iniciativa de publicar esse livro no Brasil, e espero que continuem a disponibilizá-lo.
A
Revolta de Atlas de Ayn Rand é uma obra impressionante, com personagens
fascinantes, inúmeros detalhes que são reunidos de forma coesa ao longo da
história, e ainda vários elementos de ficção científica (o motor mencionado lá
em cima é um destes) com uma poderosa mensagem contra o vitimismo, a corrupção
e muitas mazelas de nosso mundo, defendendo de forma implacável a liberdade, a
iniciativa individual e a criatividade. Vale muito a leitura, inclusive para
responder à grande pergunta:
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