quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Livros para o Dia Nacional do Fusca

 


            O Fusca é um prodígio, e também um paradoxo. Nos tempos atuais têm aparecido cada vez mais em eventos, sendo personalizado de todas as formas possíveis, ou mesmo parecendo ter saído da concessionária ontem, estes últimos sendo originais ou restaurados.

            Histórias e mais histórias têm sido escritas a seu respeito, e também de seus derivados. Lógico que estou falando de Onde Kombi Alguma Jamais Esteve, do nosso grande amigo Gilson Cunha! E também do universo de fantasia, folclore e terror deste que vos escreve, Vó Nena e os Caçadores (confira lá no Escritor com R).

            O carrinho mais amado do mundo tem feito todo esse sucesso mesmo depois de 36 anos da última unidade fabricada no Brasil, em 1986 (ou 26 anos desde 1996, quando saiu o último da série Itamar). Nesse ponto, aliás, os mexicanos tiveram mais sorte, pois lá o último Fusca saiu em 2003. Naturalmente aqui falo somente do Besouro clássico, refrigerado a ar, e não as releituras mais modernas.

            E ele é um paradoxo pois foi originalmente encomendado ao genial engenheiro austríaco Ferdinand Porsche por um dos maiores monstros que a humanidade já teve o colossal desprazer de conhecer. O doutor Porsche (03/09/1875 – 30/01/1951) foi um excepcional autodidata que depois recebeu suas qualificações em honoris causa. Embora somente em meados dos anos 1930 tenha recebido a incumbência de projetar o Volkswagen (Carro do Povo em alemão) ele já pensava naquela ideia havia muito tempo. E o que viria a se tornar o Fusca nem sequer foi o primeiro carro a ser chamado de Volkswagen, o que os leitores poderão conferir em um dos livros que iremos apresentar a seguir.

            Pois, aproveitando que hoje é o Dia Nacional do Fusca (o primeiro exemplar brasileiro saiu da linha de montagem da fábrica em São Bernardo do Campo em 20 de janeiro de 1959), vamos apresentar algumas obras que têm o carrinho como seu grande protagonista.

            Antes, devem se lembrar de outro livro sobre o Fusca que já resenhamos aqui, Rallye Volta da América 1978 2008. E nestes dias apresentei em meu perfil no Instagram, @renatoa.azevedo, uma série de postagens sobre estes mesmos livros, mas que aqui, naturalmente, serão mais detalhadas. Vamos então ligar o motor e percorrer esses caminhos literários!

 

 

Memórias de um Fusca, de Orígenes Lessa, Editora Ediouro e Global

 

            Classificado como infanto-juvenil, Memórias de um Fusca foi um dos primeiros livros que li, e ainda guardo carinhosamente o mesmo exemplar de sua 11º edição. Orígenes Lessa (12/07/1903 – 13/07/1986) foi jornalista, escritor e teve muitas outras ocupações, além de ser Imortal da Academia Brasileira de Letras. E agora, reparando bem, nos deixou quase simultaneamente ao Fusca da primeira produção brasileira!

            E foi também um herói, participando da Revolução Constitucionalista de 1932, e escrevendo na prisão da Ilha Grande, RJ, Não há de Ser Nada, sobre a Revolução, e Ilha Grande, Jornal de um Prisioneiro de Guerra.

            Memórias de um Fusca é narrado, sem surpresas, por um Fusca, indo desde sua saída cheio de esperanças da linha de montagem, a viagem sobre cegonheira, ou caminhão de transporte, até a concessionária onde foi comprado por Genésio Pimenta. O Fusca logo constata que “seu cabeludo”, como o chama, é um motorista irresponsável e paquerador, capaz das maiores bobagens quando está tentando conquistar alguma garota bonita.

            O Fusca narra suas aventuras e desventuras para os amigos que dividem com ele a garagem do prédio, um Galaxie, um Corcel, um DKW e muitos outros. E nutre uma paixão por uma Belina, seu grande apoio nos momentos de maior amargor. Sim, pois Memórias de um Fusca, mesmo repleto de bom humor, também transmite ao leitor muito sarcasmo e aquele sentimento agridoce, especialmente quando o Fusca constata que ele e os outros carros, a automobilidade como se qualificam, não passam de servos da humanidade.

            O carrinho questiona como os humanos, tendo já realizado tanto, e nisso ele inclui a aeronáutica, as viagens espaciais (confessa um pouco de inveja de seu parente distante, o jipe lunar também conhecido como Lunar Rover) e os próprios automóveis (que naturalmente o Fusca considera uma das maiores realizações da humanidade) ainda cometam tantos atos estúpidos como as guerras, ou desrespeitar as normas de trânsito. E ele não poupa ninguém, dizendo que tanto pedestres que não atravessam na faixa quanto motoristas imprudentes e que não fazem a manutenção adequada em seus veículos são igualmente culpados.

            Em meio a tantas aventuras acontece até mesmo a mais radical de todas: Pimenta deixa o Fusca estacionado com a chave no contato, e ele é roubado! Ao mesmo tempo que confessa a emoção da nova vida e a admiração pelo ladrão, que dirige muito melhor que seu dono e o trata melhor que Genésio, sofre com os crimes e com o final mais que previsível da quadrilha da qual virou instrumento.

            No retorno ao seu proprietário o Fusca prossegue narrando suas aventuras para os amigos e a paixão, a Belina, incluindo até mesmo viagens para Brasília, São Paulo e Lençóis Paulista, cidade natal do autor (nós, escritores, adoramos fazer essas referências) e que tem uma magnífica biblioteca com seu nome, sendo reconhecida como Cidade do Livro. Até que um evento muito grave muda sua vida. E o Fusca segue rodando, sempre muito filosófico, e aguardando o ansiado tempo em que a automobilidade conquistará a independência e poderá, enfim, levar a humanidade a um grau mais elevado de entendimento sobre a vida.

            Memórias de um Fusca tem uma edição mais recente publicada pela Global Editora, com ilustrações do quadrinista Spacca.


Clássicos do Brasil – Fusca, de Paulo Cesar Sandler, Editora Alaúde

 

 

            A Alaúde tem uma ampla gama de livros sobre automobilismo, e a coleção Clássicos do Brasil tem vários volumes destacando alguns dos mais conhecidos e icônicos carros já produzidos em nosso país. O do Fusca, claro, é um dos de maior sucesso!

            O livro narra de forma concisa, mas completa, a trajetória do Volkswagen desde sua criação por Ferdinand Porsche, na Alemanha dos anos 1930. Muitas das inspirações para elementos que o engenheiro austríaco veio a acrescentar à sua maior criação vieram de outros gênios da indústria automobilística. Destaque vai para Joseph Ganz, que desde meados dos anos 1920 vinha defendendo a produção de carros mais baratos e populares. Em 1928, escrevendo na revista Motor-Kritik, defendeu que esse modelo deveria ter motor traseiro refrigerado a ar, suspensões independentes, chassi de tubo central e carroceria aerodinâmica. Parece familiar?

            Em 1932 uma fábrica alemã, a Standard Fahrzeugfabrik, entrou em contato com Ganz e, sob sua orientação, produziu o Standard Superior, nada menos que o primeiro carro a ser chamado de Volkswagen.

            Essa foi somente uma das inspirações de Porsche, que depois da encomenda oficial produziu vários protótipos que, em 1937, percorreram 2 milhões de quilômetros em testes. Em 1938 já era exibido o formato familiar do Fusca que conhecemos, mas veio a Segunda Guerra Mundial, e a fábrica da Volkswagen só voltou a produzir automóveis após o término do conflito, comandada por oficiais ingleses.

            O sucesso foi imediato, e na década após a guerra o Fusca conquistou o mundo. Chegou aqui em 1950 quando, em 17 de novembro, o primeiro exemplar foi vendido em nosso país, ainda importado pela empresa Brasmotor. A fabricação local só teve início em janeiro de 1959 e detalhe, depois da Kombi, que já tinha produção brasileira desde setembro de 1957.

            Clássicos do Brasil – Fusca narra a evolução dos modelos brasileiros, curiosidades, o término da produção em 1986 e a retomada entre 1993 e 1996 incentivada pelo então presidente Itamar Franco, e vários outros detalhes. Leitura rápida e muito informativa.

 

Porsche - O homem, o mito, o carro, de Paulo Cesar Sandler, Editora Alaúde

 

 

            Neste livro fabuloso a história da concepção e produção do Fusca, com suas incríveis coincidências, idas, vindas e viradas do destino, ainda ocupa um bom pedaço da narrativa. O grande diferencial da obra, de novo de autoria de Paulo Cesar Sandler, é o extraordinário processo de investigação e pesquisa que se revela nítido a cada página.

            A história começa com o estabelecimento dos ancestrais de Ferdinand Porsche na região que hoje é a República Tcheca, Império Austro-Húngaro na época do nascimento do futuro gênio. Ainda no final do século XIX Porsche se tornou uma celebridade ao trabalhar com Lohner, fabricante oficial de carruagens da realeza austro-húngara, e que logo passou a fabricar automóveis. A grande ideia de Porsche foi utilizar motores elétricos nas rodas, alimentados por um gerador que por sua vez funcionava acoplado a um motor a combustão interna. Ou seja, em 1900 o grande gênio da mecânica já havia produzido um carro híbrido! O Audi RS Q que correu o Rali Dakar neste ano tem exatamente o mesmo esquema elétrico e mecânico!

            Aconteceu a Primeira Guerra Mundial, e Porsche passou boa parte da década seguinte trabalhando para diversas empresas alemãs. Uma das curiosidades sobre sua carreira foi o fato de a Daimler-Benz (aquela dos carros Mercedes) ter encomendado um motor para uma moto. Porsche se inspirou em um motor aeronáutico de 1912, e saiu uma unidade de dois cilindros opostos e refrigerada a ar. A Daimler acabou desistindo e vendendo o projeto para a BMW, que em 1923 lançou a moto R32. Até hoje a linha R mantém a mesma arquitetura, semelhante a do Fusca.

            Porsche experimentou várias crises na difícil época, e em 25 de janeiro de 1931 inaugurou em Berlim seu escritório de projetos. De novo atendendo a diversas companhias, outro dos destaques entre seus projetos resultou no impressionante Auto Union Tipo C, um carro de corrida lançado em 1936 com motor entre-eixos de 16 cilindros, capaz de superar facilmente os 300 km/h. Vem daí o DNA de competição do Fusca, que fez muito sucesso em corridas inclusive aqui no Brasil, com os “pinicos atômicos” da saudosa Divisão 3 preparados até atingirem 160 HP, praticamente o triplo da potência original, e passarem fácil de 200 km/h. Tudo isso nos anos dourados do automobilismo brasileiro dos anos 1960 e 1970.

            A autoridade esportiva na época havia proposto que os carros de Grande Prêmio (a Fórmula 1 da época) pesassem no máximo 750 kg, acreditando que ninguém conseguiria produzir motores muito potentes. Tolinhos... A Mercedes igualmente fez carros incrivelmente potentes, e os alemães dominaram o circuito de corridas até o início da Segunda Guerra Mundial.

            Comentando rapidamente ainda no assunto das corridas, a Porsche venceu o Rali Dakar em 1984 com o 911 (lançado em 1964 e fabricado até hoje, inspirado no 356, que foi inspirado no Fusca) e em 1986 com seu derivado 959 (“só” 250 km/h no deserto está bom?), usando a mesma arquitetura de motor traseiro refrigerado a ar (mas com seis cilindros ao invés de quatro) e tração nas 4 rodas. E em 1979 a glória máxima: a quinta vitória da marca nas 24 Horas de Le Mans veio com um 935, outro derivado do 911 para as corridas. E de novo, com a mesma arquitetura e formato básico do Fusca!

            Veio a encomenda do Carro do Povo, e nesses capítulos o livro detalha as ideias de vários outros engenheiros e projetistas que inspiraram Porsche. A guerra veio impedir que o Volkswagen chegasse aos motoristas alemães, mas a partir do Fusca foram criados veículos militares como o Kübelwagen (um jipe que pode ser visto, entre outros, em Indiana Jones e a Última Cruzada de 1989, e em Caçadores de Obras-Primas de 2014), e o Schwimmwagen, uma versão anfíbia.

            Ferdinand e seu filho Ferry foram tomados prisioneiros de guerra pelos franceses, mas eventualmente libertados. Enquanto isso, os ingleses se incumbiram em reativar a produção do Volkswagen, sob o comando do economista Leslie Barber e dos coronéis Michael McEvoy e Charles Radclyffe. Eles orientaram o major Ivan Hirst a administrar a fábrica, que por fim indicou o alemão Heinrich Nordhoff para comandar os trabalhos. Nordhoff foi presidente da Volkswagen até meados dos anos 1960, e um dos principais responsáveis pelo sucesso mundial do Fusca.

            Após serem libertados, Ferdinand e Ferry Porsche continuaram ligados à indústria que conceberam, e tomaram a decisão de criar sua própria marca. A base ainda era a do Fusca, mas pela primeira vez o nome Porsche surgiu em um carro, um derivado esporte e de dois lugares do Volkswagen. Foi batizado como 356, e foi o início da marca de carros esporte mundialmente famosa, com inúmeras vitórias nas mais diversas pistas e categorias pelo mundo todo.

            O livro de Paulo Cesar Sandler traça um panorama impressionante e quase inacreditável da trajetória de Ferdinand Porsche, direto responsável pela criação de duas das mais importantes marcas da indústria automobilística mundial. Uma história apaixonante, com várias derrotas mas também de muitas vitórias.

 

O Grande Livro do Fusca, da Editora Online

 

 

            O que são as bananinhas? Qual era o tipo de volante que equipava um Fusca 1959? Por que os Fuscas que têm duas janelinhas na parte de trás são conhecidos por dois nomes diferentes, a depender do ano de produção? Por que seu derivado, o VW 1600 4 Portas, ficou conhecido como Zé do Caixão? Qual o motivo da versão com teto solar, imenso sucesso na Europa, ter sido um fracasso de vendas aqui?

            Além dessas, inúmeras outras perguntas a respeito do Besouro são respondidas nessa autêntica enciclopédia em 10 fascículos. Falando nisso, o Brasil, com Fusca, é um dos poucos países onde o apelido do carrinho não se relaciona a besouro. Até na Alemanha ele é conhecido como Käfer, em Portugal Carocha, na Inglaterra e Estados Unidos é chamado de Bug...

            O grande volume contém textos narrando a história da criação, produção e comercialização do Fusca no mundo, e as páginas ainda apresentam, com riqueza de detalhes e fotos, a evolução dos modelos. Cada artigo traz uma linha do tempo com as inovações introduzidas durante a produção, as cores disponíveis para cada versão, e muito mais.

            Os derivados, com destaque para o primeiro deles, a Kombi. Depois veio a família Tipo 3 na Alemanha, remotamente similar aos nossos Zé do Caixão, Variant e TL. O Karmann-Ghia, que veio antes destes. Os primeiros exclusivamente brasileiros, o esportivo SP-2, ainda hoje considerado o Volkswagen mais bonito de todos os tempos, e a popular Brasília.

            A Alemanha concentrou no início dos anos 1970 a produção dos avançados 1302 e 1303, que tinham uma frente diferente com nova suspensão (e o último um para-brisa curvo muito maior). Por sinal, sabiam que em 1965 o Fusca europeu ganhou vidros maiores e para-brisa ligeiramente curvo, inovações que nunca chegaram ao brasileiro? Em compensação tivemos o Fusca mais esportivo de todos, o 1600 S conhecido como Super-Fuscão ou Bizorrão, hoje disputado quase à tapa pelos colecionadores.

            As séries especiais, o final da produção brasileira em 1986, a retomada entre 1993 e 1996 com a já mencionada Série Itamar, as divertidas e inteligentes propagandas, e até um completo guia para restauração de um Fusca de qualquer ano são somente alguns dos destaques do farto e completo material. Se já é fã do carrinho vai ficar ainda mais depois de ler esse livro.

 

Renato A. Azevedo, 13 de janeiro de 2022









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